sexta-feira, 29 de junho de 2012

29/06/2012 10h00
Espíritas têm os melhores indicadores de educação e renda, revela Censo
Hanrrikson de Andrade
Do UOL, no Rio

Dados do Censo Demográfico 2010, divulgados nesta sexta-feira (29), mostram que a população que se autodeclara espírita tem os melhores indicadores de educação e renda em relação às demais representações religiosas no país.

Os espíritas têm a maior proporção de pessoas com nível superior (31,5%) e os menores índices de brasileiros sem instrução (1,8%) e com ensino fundamental incompleto (15%). Apenas 1,4% das pessoas que se declararam adeptas desse grupo religioso não são alfabetizadas.

Espíritas no Brasil:

31,5%têm nível superior

15%têm ensino fundamental incompleto

1,8%não têm instrução

1,4%não são alfabetizados

Quanto às classes de rendimento acima de cinco salários mínimos, os espíritas também se destacam com incidência de 19,7% --a pesquisa considera a distribuição das pessoas de dez anos ou mais por rendimento mensal domiciliar per capita. Os católicos, por sua vez, estão concentrados na faixa até um salário mínimo: 55,8%.

Os evangélicos pentecostais são o grupo com a maior proporção de pessoas nessa classe de rendimento de até um salário mínimo (63,7%), seguidos dos sem religião (59,2%).

Os católicos (6,8%), os sem religião (6,7%) e evangélicos pentecostais (6,2%) também se destacam negativamente com as maiores proporções de pessoas de 15 anos ou mais de idade sem instrução. Em relação ao ensino fundamental incompleto são também esses três grupos de religião que apresentam as maiores proporções (39,8%, 39,2% e 42,3%, respectivamente).

Entre a população católica é proporcionalmente elevada a participação dos idosos, entre os quais a proporção de analfabetos é maior. De acordo com o Censo 2010, os católicos e os sem religião formam os grupos que tiveram os maiores percentuais de pessoas de 15 anos ou mais de idade não alfabetizadas (10,6% e 9,4%, respectivamente).


Outros dados

Os dados do Censo Demográfico 2010 mostram também que a população evangélica no Brasil passou de 15,4% da população brasileira para 22,2%, o que dá um crescimento de 6,8 pontos percentuais nos últimos dez anos, e atualmente representa 42,3 milhões de pessoas --sendo esta a segunda religião com o maior número de adeptos no país.

A pesquisa indica ainda aumento da população espírita, que hoje é de 3,8 milhões, e das pessoas que se declararam sem religião (aproximadamente 15 milhões).

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o aumento no número de evangélicos é proporcional ao crescente declínio da religião católica, que perdeu 9,4% de fiéis em relação ao Censo de 1991.

Ainda assim, o catolicismo é predominante no país: são mais de 123 milhões de pessoas (64,6% da população brasileira; até 2000 eram 73,6%). O Brasil é considerado o maior país do mundo em números de católicos nominais.

Até o início da década de 90, os evangélicos representavam apenas 9% do contingente populacional, dos quais a maioria de origem pentecostal. Com a expansão das igrejas evangélicas pelo país e a veiculação de programas religiosos nas emissoras de televisão, tal índice subiu 44,16%.

Espíritas no Brasil
             31,5%
têm nível superior

             15%
têm ensino fundamental incompleto

             1,8%
não têm instrução

             1,4%
não são alfabetizado




quinta-feira, 5 de abril de 2012

Cristo Pantocrator - Monastério da Síria

ICONOGRAFIA CRISTÃ – A EVOLUÇÃO DAS IMAGENS
Jefferson


O presente artigo é a transcrição do trabalho apresentado pelos alunos Jefferson R. Bellomo e Myrtes C. Lobo Vianna para a disciplina “Iconografia Paleocristã”, ministrada pela professora Vera Pugliese, matéria do curso de pós-graduação latu sensu “Cristianismo Antigo”, realizado pela Universidade de Brasília (2011/2012). O trabalho recebeu nota máxima.


Introdução
A proposta deste trabalho é apresentar uma análise comparativa de duas obras paleocristãs  no que diz respeito a aspectos formais e de conteúdo com duas obras de iconografia cristã posterior ao Concílio de Éfeso. 

Abriremos os trabalhos com um breve apontamento sobre o Cristianismo e as Imagens onde logo no início do cristianismo, como atestam as pinturas feitas a partir do segundo século da Era Comum, nas catacumbas romanas, a simbologia trazida do paganismo é apropriada pelos seguidores de Cristo, fazendo com que determinados elementos fossem ressignificados dentro do novo movimento e também propício  para o aparecimento dessa manifestação artística – a iconografia.

Em seguida trataremos do Comparativo de Imagens onde priorizamos a figura da Virgem Santíssima que pelo primeiro concílio de Éfeso é considerada a Mãe de Deus e não Mãe de Cristo como queria a seita herética conhecida como nestorianismo.


Desenvolvimento

I - Um Breve Apontamento sobre o Cristianismo e as Imagens

O livro do Êxodo, um dos mais importantes do Antigo Testamento, traz a proibição dada por Deus aos hebreus - posteriormente, considerada válida também aos cristãos - para que estes não fizessem imagens que servissem de objeto de adoração:

"Então Deus pronunciou todas estas palavras: Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto." (Ex[1] 20, 1-4)

Provavelmente, o mandamento citado não deve ter sido difícil de ser respeitado pelos primeiros seguidores de Jesus, visto que eles estavam inseridos no judaísmo e não pretendiam formar nenhum tipo de religião diferente, mas seguir os preceitos herdados de seus antepassados, confiantes nas promessas feitas por Yahweh (nome hebraico de Deus) a Abraão.

Contudo, conforme o denominado Caminho (At[2] 9,2; 18, 25-26) foi tomando às cidades da Ásia Menor e se transformando em Cristianismo (At 11, 26), recebendo uma influência greco-romana cada vez mais intensa em suas comunidades, muito natural que a cultura trazida por esses novos cristãos tingisse ou modificasse antigas proibições judaicas, entre elas, a proibição das representações da divindade.

Logo no início do cristianismo, como atestam as pinturas feitas a partir do segundo século da Era Comum, nas catacumbas romanas, a simbologia trazida do paganismo é apropriada pelos seguidores de Cristo, fazendo com que determinados elementos fossem ressignificados dentro do novo movimento. A própria marginalidade em que foi colocada essa nova seita colaborou para que a simbologia simples e rudimentar (falta de rigor anatômico, pouco naturalismo; pobreza na variação cromática, etc.) fosse propícia para o aparecimento dessa manifestação artística.

Símbolos inicialmente pertencentes à mitologia pagã, como o peixe, a âncora, o alfa e o ômega, a videira e a pomba foram tomados e modificados pelos cristãos. IXOYC (Ichtus - peixe em grego) serviu de anagrama para a expressão "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador" (Gr[3]: Iesus Christós Theóu Uiós Soteér), era relacionado ao batismo, por ter a água como seu elemento natural, e aludia ao milagre da multiplicação dos pães e à pesca milagrosa com Pedro e André (Mc[4] 6, 34-44). A âncora significava a esperança na Salvação, a primeira e última letra do alfabeto − alfa e ômega − grego representavam o monograma de Cristo, e assim por diante. Orfeu pastoreando os animais converteu-se na imagem do Cristo Bom Pastor que salva as almas perdidas, simbolizada pela ovelha em seus ombros.

Conforme o cristianismo se popularizava e se institucionaliza, suas manifestações artísticas são aprimoradas. Representações cada vez parecidas com as imagens de Apolo para Jesus e de Diana para a sua mãe são objeto de prostração e culto, o que rendeu acusações graves de idolatria por parte daqueles que enxergavam na doutrina cristã a continuidade, e não ruptura, das tábuas de Moisés.

Não obstante, graças à doutrina da encarnação, que apregoa que Deus se fez homem em Jesus Cristo, a representação e a adoração das imagens no ambiente cristão foram recebidas como um desdobramento natural da fé em Jesus, face visível de Deus. Visto que Deus agora tinha um rosto, que havia dado a Se conhecer. A adoração da imagem de Cristo era o reconhecimento da manifestação da divindade no mundo material.

"Não venero a matéria, venero Quem fez a matéria e Quem, por mim, se tornou matéria e aceitou habitar na matéria para através dela realizar a minha salvação, e não cessarei de reverenciar a matéria através da qual se faz a minha salvação". São João Damasceno (675-749) em "Apologia contra os que atacam às imagens divinas" (Cit. Woods Jr, p. 112).

Posteriormente, após o auge da crise iconoclasta, o segundo concílio de Nicéia (787 E.C.) decidiu que Cristo é passível de adoração e a Virgem Santíssima e os santos são passíveis de veneração. Com isso, alarga-se a estrada da produção e adoração religiosa de imagens e relíquias que irão culminar, no Ocidente, com a Reforma Protestante do século XVI.


II - Comparativos de Imagens - A Virgem Santíssima 

Segundo a Wikipedia, "A Arte paleocristã ou Arte cristã primitiva é a arte, arquitetura, pintura e escultura produzida por cristãos ou sob o patrocínio cristão desde o início do século II até o final do século V. Não há arte cristã sobrevivente no século I. Após aproximadamente o final do século V a arte cristã mostra o início do estilo artístico bizantino".


Imagem 01 : A Virgem Maria Amamentando o Menino Jesus
Século II ou III, Catacumba de Priscila, Roma



Em Roma, na catacumba de Priscila, encontra-se uma pintura rústica representando a Virgem Maria amamentando o Menino Jesus no colo, imagem do século II. À sua frente encontra-se o que se deduz ser do profeta Balaão que aponta para uma estrela pintada mais no alto da cabeça da mulher, representado por um circulo vermelho. A criança e a mãe se olham enquanto ela amamenta o menino nu que está apoiado em seus braços. Não há nada que ateste santidade na mãe ou divindade na criança. A pintura é “tosca”, não apresenta variedade cromática significativa, parecendo explorar apenas as nuances do ocre com o fundo branco da parede. Não se permite tirar maiores detalhes da pintura por que esta se encontra muito castigada pelo tempo e pela falta de cuidados, além do que, não se trata de uma obra com pretensões artísticas e simbólicas mais refinadas, mas simplesmente uma reprodução de uma narrativa do evangelho feita provavelmente por uma pessoa, um fiel cristão, sem instrumentos adequados e dotes artísticos. É apenas uma transposição pura e simples do texto de Mateus (Mt[1] 2, 9-11), uma decoração pictórica feita por um fiel provavelmente em homenagem a algum ente querido já morto.

Não são muitos os exemplos de arte paleocristã referentes a Nossa Senhora que se pode apresentar. Porem, mais um afresco pintado em uma catacumba Romana datado no século IV chama atenção por sua imagem um tanto quanto “assustadora”, provando que esta arte não se referia propriamente a um estilo, mas a todas as formas artísticas produzidas naquela época e por cristãos.


Imagem 02: A Virgem Maria e o Menino Jesus
Século IV, Catacumba de Roma.


A leitura da imagem seria apenas a de uma mulher com os braços erguidos e com um menino a sua frente ambos inseridos abaixo de um arco; se não fosse o detalhe à esquerda conhecido por “monograma grego de Cristo”, assim sendo, deduz-se que se trata de uma pintura cristã. Acredita-se tratar da Virgem Maria com um maphorion[1] ou véu fino e discreto, porem com os cabelos à mostra o que fugia à tradição judia e uma túnica trabalhada, as mãos erguidas estão em oração. Por hierarquia deixa em primeiro plano o Menino Jesus. Aqui nem a Virgem nem o Menino possuem ainda o halo ou auréola, confirmando suas santidades.

Todavia, não se pode deixar de perceber a evolução das representações da Virgem Maria com o Menino Jesus no colo foram se sofisticando na mesma proporção em que o cristianismo deixava de ser um movimento religioso e social de excluídos para se tornar a religião oficial do Império Romano.

Exemplo disso é a representação da Virgem como Odiguítria (do grego, pode ser traduzida como "Aquela que mostra o caminho").


Imagem 03: Ícone da Odigítria - sec. XIV –
Monastério de Balamand, Líbano.


O artista representa Nossa Senhora em posição frontal, com ligeira inclinação da cabeça, com o menino Jesus sentado no seu antebraço com em um trono, e com a outra mão parece apresentar o seu filho. Ela veste um manto púrpura, cor associada ao poder imperial, demonstrando a sua condição de Theóutokos, ou seja, que detém o poder divino por ser Mãe de Deus. A sua cabeça está coberta de forma que ficam ocultos por completo os seus cabelos, representando a mulher piedosa (1ª Cor[1] 11, 5-6). Da manga do manto surgem as mãos, com dedos compridos e finos, pois simulam ser os cabos condutores da energia espiritual. A figura da Virgem tem sobre si, apresentada pelos anjos, as letras MP OY, a abreviatura grega de “Mãe de Deus”, e próximo de seu ombro direito  a palavra  Odiguítria, "Aquela que mostra o caminho". Os dois anjos estão com as mãos cobertas por seus mantos em sinal de reverência e adoração.

O Cristo Menino, com uma das mãos faz o gesto da benção "à grega" e na outra mão ele segura o papiro enrolado. Jesus não é mais uma lactente, mas um jovem imberbe quase adulto, e usando as mesmas roupas que um adulto. O manto, geralmente amplo, deixa descoberto o pescoço, cobre os ombros e envolve o corpo inteiro em pregas amplas, deixando aparecer os pés com sandálias. A cor do manto é de um tom que faz referência a argila, o "barro" do qual somos criados e no qual Deus se fez carne simbolizando a matéria da qual o homem foi feito, mas respeitando o seu aspecto divino na sua auréola dourada com as iniciais gregas de Christos e, também, com as letras gregas оωн, referindo-se às palavras “Aquele que é”, (Ap[1] 1:8). A túnica por baixo do manto é branca, cor da unidade com Deus e da pureza. 

No século V edificou-se a primeira basílica dedicada a Nossa Senhora e em seu interior pode-se apreciar um mosaico datado do final do século XIII, onde a Virgem é coroada por seu Filho.


Imagem 04 : A Coroação da  Virgem
Século XIII, Basílica di Santa Maria Maggiore, Roma.
  

Aqui o artista apresenta um subtipo da Virgem Orante com a cabeça levemente inclinada para baixo e um semblante sereno ela aparece ladeada e sentada no mesmo Trono que Jesus Cristo aqui a Virgem está voltada para seu Filho com as mãos erguidas em sua direção colocando-o novamente em primeiro plano. Possui um halo liso e recebe uma coroa acima de seu véu, com os cabelos tapados assim como os seus pés que descansam em uma almofada similar a de Jesus.

Jesus no Trono, por sua vez pode ser considerado como um subtipo do Pantocrator. É representado como Juiz e Rei dos Reis que coroa e abençoa a Mãe. Possui como símbolo de sua santidade e da radiação da luz de Deus o halo com a cruz; seu manto externo passa sobre

o ombro esquerdo e desce pelo corpo simbolizando a natureza divina; a Túnica interna longa  desce até os calcanhares, simbolizando a natureza humana; uma faixa vertical desce do ombro direito como símbolo da aristocracia. Com a mão direita segura um livro e seus pés estão calçados por sandálias.

Fechando a cena, um grande círculo envolve os dois, que são observados por dezoito anjos de asas coloridas e distribuídos abaixo simetricamente.

Os afrescos refletem claramente o cânone exarado pelo primeiro concílio de Éfeso (431 E.C.) de que Maria de Nazaré é a Mãe de Deus (Gr.: Theóutokos) e não Mãe de Cristo (Gr.: Christotokos), como queria a seita herética conhecida como nestorianismo. E, nessa condição, a cristandade entende que é perfeitamente possível que ela nos guie para a salvação. Ela é a ponte para a redenção dos pecadores, pois por ela veio àquele que, sendo Deus, se fez homem para a redenção dos pecados da humanidade.


Considerações Finais
Portanto, a iconografia cristã de uma maneira geral, conforme vimos nos exemplos: A Virgem Maria Amamentando o Menino Jesus (século II ou III, Catacumba de Priscila, Roma), A Virgem Maria e o Menino Jesus (século IV, Catacumba de Roma), A Coroação da  Virgem (século XIII, Basílica di Santa Maria Maggiore, Roma),e o Ícone da Odigítria (século XIV, Monastério de Balamand, Líbano), não só é uma forma de representação de fé, como também é uma declaração não escrita dos dogmas que foram se desenvolvendo juntamente com o Cristianismo.

Mesmo com o cristianismo não tendo se consolidado ainda entre o final do século II e início do século III o fundamento básico do pensamento sobre a Virgem sempre foi direcionado para "aquela que deu à luz a Deus" apresentado tanto na iconografia paleocristã como na iconografia bizantina.


Referências Bibliográficas 
BACHET, Jérôme - A Civilização Feudal: do ano 1000 à Colonização da América - trad. Marcelo Rede, São Paulo : Globo, 2006.
BRANDÃO, Antônio Jackson de Souza - A Imagem Nas Imagens: Leituras Iconológicas - Embú-Guaçu : Revista Lumen Et Virtus, Vol. I Nº 2 Maio/2010
COSTA, Mariana Jorge Nobre - Panofsky: Iconologia - FBAUL, 2006. 
DUARTE, Adélio Damasceno. Ícones FUMARC, Belo Horizonte, 2003
EUSÉBIO, Maria de Fátima - A apropriação cristã da iconografia greco-latina: o tema do Bom Pastor - Texto apresentado nas XV Jornadas de Formação de Professores, de Homenagem ao Prof. Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, Faculdade de Letras da UCP, 29 e 30 de Abril de 2004.
GHARIB, G. “Os Ícones de Cristo” Ed. Paulus, São Paulo, 1997,
História Geral da Arte, Pintura I, Madri : Ediciones del Prado, 1996.
WOODS JR., Thomas E.  -  Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental  -  trad. de Élcio Carilho, São Paulo : Quadrante, 2008.
 


[1] Livro do Êxodo
[2] Atos dos Apóstolos
[3] Transliteração do grego.
[4] Evangelho Segundo Marcos
[1] Evangelho de Mateus
[1] Veste externa das mulheres casadas.
[1] 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios.
[1] Apocalipse

segunda-feira, 2 de abril de 2012


Jesus Histórico em Perguntas e Respostas[1]:
Por Jefferson


O que significa a expressão "Jesus histórico"?

Jesus histórico, que tem a imagem construída com base nos estudos feitos da Palestina do século I. É totalmente hipotético. Personagem construído na visão de como uma pessoa daquela época, influenciada dessa ou daquela forma, vivendo nesse ou naquele cenário, viveria. Não se confunde com o indivíduo Jesus de Nazaré, que se vivesse hoje, teria identidade e CPF, que somente sabemos que foi batizado por João Batista, pregou na Galiléia e foi crucificado em Jerusalém. Também não se confunde com o Cristo, o Jesus da fé, a segunda pessoa da Trindade cristã.

Jesus histórico é o Jesus historicamente possível de se estudar.

Jesus existiu?

Sim, os evangelhos e as cartas paulinas atestam a existência de Jesus de Nazaré e não podem ser desprezados como documentos baseados em fatos reais, ainda que exista uma forte carga teológica neles. Além disso, fontes pagãs posteriores, como Flávio Josefo, Tácito e Plínio, o Moço, atestam a sua existência e do início do movimento cristão.

Quando Jesus nasceu?

Uma coisa é certa: ele não nasceu no dia 25 de dezembro. E a razão é simples. Esta data coincide com o solstício de inverno do Hemisfério Norte, quando uma série de festas pagãs, muito anteriores ao nascimento de Cristo, já aconteciam em homenagem a divindades ligadas ao Sol e a outros astros. Ao que tudo indica, o dia foi adotado pelos católicos primitivos na esperança de cristianizar uma festa pagã.

Além disso, Jesus nasceu antes de Cristo 6 ou 4 anos. A contagem cristã baseou-se nos cálculos do monge Dionísio, o Pequeno, que calculou o nascimento com base na duração dos reinados da Antiguidade, errando por 6 anos.

Jesus nasceu em Belém ou Nazaré?

Ignora-se por que seus pais, Maria e José, que moravam em Nazaré, estariam em Belém no momento do parto. A explicação tradicional, encontrada no evangelho de Lucas, de que teriam retornado à cidade natal de José para um censo, esbarra na falta de registros de alguma grande convocação desse tipo nesses anos. Os romanos, que dominavam a região, faziam censos em seu império para recolher tributos – e a lógica sugere que eles registravam seus contribuintes nos locais em que trabalhavam e residiam.

Mateus opta pela residência de José e Maria em Belém e, após o seu retorno do Egito, foram morar em Nazaré a fim de não serem perseguidos pelos descendentes de Herodes, o Grande.

Ao que tudo indica, Lucas e Mateus teriam escolhido Belém como cidade natal de Jesus para que suas versões da vida de Cristo se alinhassem a uma profecia do Antigo Testamento, segundo a qual o Messias nasceria na Cidade do Rei Judeu, ou seja, a Cidade de Davi, que é Belém.

Nazaré era um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo 1000 habitantes (outros estudiosos acreditam que não havia mais de 400 pessoas por lá). Segundo os arqueólogos, essa é a cidade onde Jesus nasceu. Nazaré é tão obscura que, fora dos evangelhos, não existe menção a ela na literatura da época, o que fez com que muitos autores questionassem a sua existência.

A gravidez extraordinária de Maria é um fato ou um mito?

O que se quer mostrar, evidentemente, é que o nascimento de Jesus ocorre a partir de uma intervenção direta de Deus. É uma idéia que aparece com freqüência no pensamento antigo. Não só heróis mitológicos, mas também grandes personagens históricos têm seu nascimento associado a uma divindade. Os faraós do Egito eram considerados filhos de Amon-Ra, o deus Sol. E a mãe de Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.), estava convencida e convenceu o filho de que ele era descendente de Zeus, o deus supremo da mitologia grega.

Por que os evangelhos quase não falam do pai de Jesus?

Os evangelhos também falam pouco da Maria, mãe de Jesus. Ela aparece quando destaca algo que Jesus protagoniza. O mesmo acontece com José. No início da vida pública de Jesus, José não aparece por não ser importante ou por já estar falecido naquela época.

Quem e quantos foram os Reis Magos?

Se realmente existiram, os Reis Magos não eram reis e provavelmente não seguiram estrela nenhuma. O único registro dessas figuras nos evangelhos canônicos, ou oficiais, está em Mateus, que fala dos magos do Oriente e de uma estrela seguida por eles. Mas a menção não diz quantos eram os visitantes nem se eram, de fato, reis. “Como esses magos trouxeram três presentes, supõe-se que eram três reis”. Convencionou-se chamar os visitantes de Melchior, rei da Pérsia, Gaspar, rei da Índia, e Baltazar, rei da Arábia. Também ficou estabelecido que eles teriam trazido incenso, ouro e mirra como presentes ao recém-nascido.

O que era a estrela de Belém?

Não se sabe ao certo, e existe uma forte desconfiança de que essa história veio como uma contestação ao título dado aos imperadores romanos de filhos de deus. Para os cristãos, havia somente um filho de Deus e este era Jesus Cristo. No início do reinado de Otávio, uma estrela brilhante foi vista nos céus de Roma. Segundo Suetônio, seria um cometa ou uma estrela cadente. Otávio, de forma inteligente, afirmou se tratar de Júlio César, seu tio assassinado no senado romano, que estava sendo conduzido aos céus para se juntar aos deuses. Dessa forma, Otávio Augusto estaria de forma legitima no poder, por ser herdeiro político de um deus. Utilizando dessa imagem, mandou cunhar moedas onde havia uma estrela e a inscrição Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus Divi filius (“Gaio Julio César Otávio Augusto, filho de deus).

Para os que acreditam que a história é verdadeira, existem hipóteses, mas nenhuma que possa se sobrepor as outras. Ela pode ter sido um cometa, uma supernova ou o alinhamento celeste de planetas, ou até mesmo um óvni. Como não se sabe ao certo o ano, mês e dia que Jesus nasceu, tudo fica no terreno das especulações.

Qual o idioma que Jesus falava?

O aramaico era a língua corrente na Palestina do século I e era a única que podemos afirmar, com certeza, que Jesus falava. O hebraico, língua morta na época de Jesus, usada apenas nos escritos sagrados do Judaísmo, e o grego, utilizado eventualmente no comércio daquela região, podem ter sido de seu conhecimento, mas é muito pouco provável que os dominava, uma vez que não existia uma preocupação de formação intelectual de crianças e jovens daquele tempo como existe hoje.

Jesus teve irmãos?

Para garantir o sustento, as famílias precisavam ter um número razoável de filhos que ajudassem no duro trabalho no campo. "É pouco provável que Jesus tenha sido filho único", diz o historiador Gabriele Cornelli. "Assim como um menino de roça que vive em comunidades pobres no interior, ele deve ter crescido cercado de irmãos." Mesmo pesquisadores católicos como o padre John P. Meier, autor dos quatro volumes da série Um Judeu Marginal, sobre o Jesus histórico, dizem que é praticamente insustentável o argumento de que, no Novo Testamento, "irmão" poderia significar "primo". "A palavra grega adelphos, usada para designar irmão, deve ter sido usada no sentido literal", diz Meier.

Os irmãos existiram e eram seis – quatro homens e duas mulheres –, identificados no Evangelho de Mateus (Mt 13, 55-56). No evangelho apócrifo de José fala-se que o pai de Jesus era viúvo quando se casou com Maria e que teria filhos do primeiro casamento. O rechaço da igreja à possibilidade da existência de irmãos de Jesus se explica. Se a teoria fosse verdadeira, iria contra um dos dogmas marianos segundo o qual a mãe de Jesus teria dado à luz virgem e assim permanecido até a assunção de seu corpo aos céus.

Jesus estudou?

Para Wagner Figueiredo, colunista do site Mistérios Antigos e autor de “Trilogia dos Guardiões – O Êxodo”, Jesus teve formação intelectual mais rica do que se supõe a partir dos evangelhos. “Era comum, na Antiguidade, que os mais ricos custeassem os estudos dos prodígios apresentados ao conselho do templo”, diz. “Podemos chamá-lo de um caipira antenado, que tinha sensibilidade suficiente tanto para dialogar com o povo quanto com a elite intelectual de sua época”, resume Paulo Augusto Nogueira, professor de teologia da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo.

O pesquisador John Dominic Crossan acredita que Jesus, como 95% dos seus conterrâneos do século I era analfabeto. "Somente uma ínfima parcela da população que trabalhava para os governantes sabia ler e escrever", diz Richard Horsley. "Não acredito que ele fizesse parte dessa parcela." Então, como explicar o trecho do evangelho que o retrata lendo numa sinagoga? "A palavra ler no evangelho pode significar recitar", diz Horsley. "O fato de Jesus não saber ler nem escrever não significa que ele não conhecesse os textos e as tradições judaicas."

Qual profissão seguiu?

Nos evangelhos, José é apresentado como “tekton”, uma espécie de artesão que faria as vezes de um mestre de obras. Ele teria, portanto, as habilidades de um carpinteiro, mas não apenas. Jesus e José seriam uma espécie de faz-tudo. Faziam a fundação de uma casa, erguiam paredes como pedreiros e construíam portas como carpinteiros. É sabido também que tinham ovelhas e uma pequena plantação. Portanto, teriam algumas noções de pastoreio e agricultura.

Como era Jesus fisicamente?

A imagem de Cristo que se consagrou foi a de um tipo bem europeu: alto, branco, de olhos azuis, cabelos longos ondulados e barba. Mas são grandes as chances de que essa representação esteja errada. “É praticamente certo que ele não foi um homem alto, a julgar pelos objetos, como camas e portas, deixados por seus contemporâneos”, revela a socióloga e biblista Ana Flora Anderson.

A julgar pelos registros históricos que contam um pouco da vida na região em que Jesus nasceu e foi criado, o Messias deve ter sido um homem baixo, de pele morena e cabelos escuros e encaracolados (vide a reconstituição feita pelo médico especialista em reconstrução facial inglês Richard Neave, da Universidade de Manchester). Por ser um trabalhador braçal, tinha uma estrutura física bem desenvolvida.

Jesus foi tentado pelo demônio no deserto?

Que Jesus foi tentado no deserto, não há dúvida. O episódio é relatado por três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e citado pelo quarto, João. Líderes religiosos como Buda e Maomé também passaram por experiências de jejum, oração e tentação. O que se questiona é a natureza do demônio que se apresenta a ele. Seria ele o demônio feito homem ou apenas uma síntese simbólica das tentações às quais todos os seres humanos estão sujeitos? Para o padre Vicente André de Oliveira, mariólogo da Academia Marial de Tietê, no interior de São Paulo, a tentação do demônio é simbólica. “O deserto e o demônio são maneiras de ilustrar o encontro de Jesus com suas limitações como homem”, diz Oliveira.  

Na Gênesis, de Allan Kardec, temos «Jesus não foi arrebatado. Ele apenas quis fazer que os homens compreendessem que a Humanidade se acha sujeita a falir e que deve estar sempre em guarda contra as más inspirações a que, pela sua natureza fraca, é
impelida a ceder. A tentação de Jesus é, pois, uma figura e fora preciso ser cego para tomá-la ao pé da letra. (Cap. XV Item 53.)

Jesus era um judeu milagreiro?

Judeus taumaturgos eram figuras muito comuns no tempo de Jesus: homens que circulavam pela Galiléia fazendo milagres como uma espécie de mágico. “Jesus pedia segredo dos milagres que fazia, não cobrava por eles e evitou fazer curas diante de quem tinha meios de recompensá-lo”, explica Rodrigo Pereira da Silva, professor de teologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp-EC). Segundo ele, os taumaturgos jamais agiriam dessa maneira. “Eles eram profissionais da cura. Jesus, não.” Outra diferença importante entre Jesus e os taumaturgos era que o Messias apresentava Deus de maneira acessível aos fiéis. Diferentemente dos taumaturgos, que valorizavam uma espécie de canal exclusivo que teriam com o divino para operar seus milagres, Jesus tentava ensinar as pessoas a cultivar o contato com Deus. E, assim, receber suas graças sem intermediários.

Jesus manteve um relacionamento amoroso com Maria Madalena?

Segundo o evangelho apócrifo de Filipe, Jesus e Maria Madalena teriam uma relação amorosa. Nele estaria escrito que Jesus beijava Maria Madalena na boca – afirmação contestada por uma corrente de tradutores. Ela, por sua vez, o compreendia melhor do que qualquer discípulo, o que gerava ciúmes entre os apóstolos. Mas trata-se de obra tardia escrita em uma época de conflitos entre a disputa de poder entre os que somente aceitavam a liderança masculina na igreja daqueles grupos que defendiam a liberdade de culto, principalmente pelos carismáticos. Não existe nenhuma indicação de valor que possa embasar um relacionamento amoroso ou carnal entre Jesus e Maria de Magdala.

A própria Maria Madalena, aliás, já foi erroneamente confundida com a "pecadora", mencionada por Lucas, que teria lavado, enxugado com os cabelos, beijado e perfumado os pés de Jesus na casa de um fariseu. Não há evidência de que sejam a mesma pessoa. O que se diz de Maria Madalena em diversas passagens é que dela Jesus expulsou "sete demônios", que estava presente entre as mulheres que acompanharam Jesus ao monte Calvário, onde foi executado, e que Jesus lhe apareceu e falou depois da ressurreição.

O que Jesus pregava?

Jesus anunciava uma nova ordem social, o Reino de Deus. Nessa nova ordem, os valores morais estariam acima das questões sociais e econômicas. Um reino de amor e justiça, onde os bons serão recompensados e os maus punidos.

A sua pregação é feita por analogias, por linguagem figurada conhecida como parábola, e por máximas morais, como as bem-aventuranças do chamado sermão do monte.

Fez muito sucesso por alcançar pessoas exploradas, abatidas, endividadas e muitas vezes doentes. Não poupava críticas àqueles que exploravam os irmãos de raça em nome do lucro, muitas vezes utilizando a religião como pretexto.

Quanto tempo durou a vida pública de Jesus?

Baseado no Evangelho de João, que faz menção a três Páscoas celebradas por Jesus e seus discípulos, os estudiosos entendem que a sua vida pública durou três anos. Outros autores acreditam que durou algo entre um ano, um ano e meio. Não mais do que isso.

Por que Jesus foi condenado?

Segundo o que se conclui dos evangelhos, Jesus provocou a elite judaica da Palestina, o que gerou temor da classe dirigente de Jerusalém, que tinham muito a perder em termos de poder e fortuna com uma revolução popular.

Jesus provocou ao entrar como o mashiak (messias, ungido) judeu anunciado pelos profetas e, principalmente, ao atacar o sistema de exploração econômica instalado no templo de Jerusalém.

Os romanos executariam Jesus sem pestanejar, como fizeram com centenas de outros rebeldes da Palestina. Ao entregarem Jesus para Pôncio Pilatos, o destino de Jesus estava selado.

Com que idade Jesus morreu?

O ano certo, portanto, dificilmente será conhecido, mas sabe-se, com uma margem mínima de dúvida, que foi entre os anos 29 d.C. e 37 d.C., época em que Pilatos foi prefeito da Judéia. Assumindo que Jesus nasceu entre 6 d.C. e 4 d.C., ele teria morrido com a idade mínima de 33 e máxima de 43 anos.

Como era a crucificação?

No mundo greco-romano, não havia desonra maior do que a morte sem sepultura. Um corpo exposto ao tempo, aos olhares de estranhos, às feras e às aves era um insulto público, e significava também a destruição da identidade – um fim sem epitáfio e portanto sem posteridade, uma preocupação suprema da Antiguidade. Por isso, para acrescentar injúria à tortura, os romanos crucificavam os escravos desobedientes e os presos políticos. Mesmo após o condenado expirar, os soldados continuavam a montar guarda: baixar um morto da cruz era um privilégio que exigia súplica, influência ou propina, ou todas as três coisas. Não é de estranhar que, dentre os milhares de pessoas que se calcula terem sido crucificadas nos arredores de Jerusalém durante o domínio romano, um único esqueleto tenha sido encontrado – o de um judeu de seus 20 anos de idade chamado Yehohanan, filho de Hagkol, como consta da inscrição em seu ossuário.

A análise da ossada de Yehohanan, localizada em 1968, revela que suas mãos não foram pregadas à cruz: provavelmente, seus braços foram amarrados à trave, enquanto seus pés foram dispostos lateralmente à viga e atravessados por trás, na altura do calcanhar, por um pino de ferro. Como o pino entortou, não foi possível despregar o pé direito de Yehohanan, e sua família teve de enterrá-lo com um pedaço da cruz preso ao osso. Na suposição de o jovem judeu preservado no ossuário servir de modelo para a morte de Jesus Cristo – e ele é o único de que se dispõe –, ele levanta duas questões relevantes. A primeira é que é, sim, possível que Jesus tenha ganho uma sepultura, apesar de não ser esse o costume. A outra é que, se as mãos e os pés de Jesus não foram perfurados por cravos, as chagas com que ele é descrito nos Evangelhos e habitualmente representado não correspondem aos seus ferimentos reais. Essas são meras suposições, claro, e é quase certo que nunca será possível prová-las ou desprová-las.

Jesus ressuscitou?

Esta é uma questão de fé, e não de História, pois esta não tem como provar se Jesus ressuscitou de carne e osso, se ressuscitou com um corpo celeste, na terminologia do apóstolo Paulo de Tarso, se apareceu aos seus seguidores com um ser "sobrenatural" ou se foi tirado da cruz e abandonado pelos romanos numa cova rasa tapada com cal e areia, como afirma um dos maiores especialistas do tema John Dominic Crossan. Por ser um artigo de fé, está fora análise acadêmica.

Fazendo uma análise dos escritos mais antigos do Novo Testamento, parece que existe uma crença de Jesus aparecido, em Paulo; um Jesus desaparecido no túmulo, em Marcos; um Jesus ressuscitado diferente de quando vivo, em Mateus e Lucas, e um Jesus que come peixes no Evangelho de João, o mais tardio.

O fato é que a crença na ressurreição foi a grande mensagem do Cristianismo Primitivo que, 3 séculos após o nascimento de Pregador da Galiléia, conquistou o Império dos Césares.

Quem escreveu os evangelhos? E quando?

Não sabemos. Antes do 2º século essas narrativas não ostentavam os nomes de seus autores. A autoria de cada livro foi dada por tradição e de forma tardia. Da mesma forma, existe uma quase unanimidade entre os pesquisadores de que os evangelhos não começaram a serem escritos antes do ano 70, após a destruição de Jerusalém pelos romanos. Os evangelhos surgiram como uma necessidade de preservar a memória da primeira geração de cristãos e de apaziguar diversas crises que essas primeiras comunidades cristãs estavam vivenciando. Provavelmente cada evangelho teve uma redação primitiva que foi sofrendo alterações até a sua redação final.

Os textos seguem o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é um forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. Mateus e Lucas colocam Jesus em Belém, por exemplo, para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento - que, segundo a tradição, teria nascido lá.


Fontes:
- A busca pelo Jesus da História, artigo de Isabela Boscov, Ed. Abril, Revista Veja, Edição 1884, 15/dez/04.

- Esse Homem Chamado Jesus, artigo de José Tadeu Arantes, Ed. Abril, Revista Superinteressante, Edição 4, jan/88.

- A Face Humana de Jesus, artigo de João Loes, Ed. Três, Revista Isto É, Edição 2094, 23/dez/09.

- As Faces de Jesus, artigo de Isabela Boscov, Ed. Abril,Revista Veja, Edição 1783, 25/dez/02.

- Jesus da História, artigo de José Pompeu de Toledo, Ed. Abril, Revista Veja, Edição 1257 . 23/12/92.

- Quem foi Jesus?, artigo de Rodrigo Cavalcante, Ed. Abril, Revista Superinteressante, Edição 183, dez/2002.

- A Verdadeira História do Natal, artigo de Thiago Minami e Alexandre Versignassi, Editora Abril, Revista Superinteressante, Edição 233, dez/2006.



[1] Os textos foram, em sua maior parte, retirados das revistas citadas nas fontes desse artigo, sendo alguns textuais. Não existe a preocupação com os rigores acadêmicos, tratando-se de simples “copia e cola” de diversas reportagens sobre Jesus Histórico, amplamente divulgadas pela imprensa pátria. Em alguns casos, enriquecemos a resposta com o conhecimento adquirido em nossos estudos, procurando evitar abordagens com viés teológico por parte de determinados autores. Os textos, não obstante não pertencerem aos ciclos acadêmicos, estão em concordância com o que pesquisadores renomados, como J. Dominic Crossan, J. P. Meier, Barth Ehrman, Geza Vermes e outros, tem tratado o tema. 

terça-feira, 27 de março de 2012


Condenados por Deus: Um Problema Teológico (Parte II)

por Jefferson




                            O presente texto é a segunda parte do artigo "Condenados por Deus: Um Problema Teológico", no qual analisaremos a Soteriologia[[1]] professada pelo Cristianismo, discutindo as suas bases históricas e racionais, abordando as suas implicações morais para, após, verificarmos como o Espiritismo trata o tema.

                            Encerramos a primeira parte com o seguinte resumo da salvação cristã:

- Cada um de nós nasce contaminado por transmissão pelo pecado de Adão e Eva;

- O pecado nos afastou de Deus e nos condenou à morte;

- Deus se reconciliou conosco enviando o seu único filho para ser sacrificado em nosso nome, como os animais eram sacrificados em nome dos ofertantes nos altares do templo de Jerusalém;

- O sangue de Jesus limpou os nossos pecados, nos aproximando de Deus novamente;

- Serão salvos aqueles quem Deus escolheu antecipadamente para isso, não dependendo da vontade do homem ou de seus méritos, mas da graça de Deus.

                             Em continuidade, analisaremos a veracidade dessas afirmações e quais as suas consequências que elas passam na concepção de Deus.


Um Homem, uma Mulher e Uma Cobra que Fala

                            Se o pecado original é a fonte das misérias humanas e da nossa tendência para o mal, como quer a teologia cristã, a história bíblica sobre este pecado deve ser verdadeira, o que inclui a certeza histórica da existência de Adão e Eva e de uma serpente que fala. Se algo faltar nesta história, o erro do casal primitivo não ocorreu, e se não houve pecado, não há de se falar em punição divina e nem mesmo da sua redenção pela cruz.

                            Primeiramente, ao contrário do que se pensa, o livro de Gênesis não foi o primeiro texto bíblico a ser escrito[2], nem tampouco Moisés foi o seu autor. Ele foi a compilação de diversas tradições dos povos de Israel e da Judéia, que servem de introdução a história dos patriarcas, pessoas que serviram a ideologia de um povo formado a partir de um ancestral comum. As narrativas sobre a criação, o surgimento do homem, da mulher, a explicação da necessidade do trabalho, das dores do parto, da morte, etc., são lendas piedosas que os hebreus antigos tinham como explicações sobre os fatos da vida a que cotidianamente eram confrontados. São mitologias daquelas sociedades, metáforas apropriadas ao objetivo de seus autores e de satisfação dos seus ouvintes.

                            Querer dar a essas historietas a chancela de verdades incontestáveis é desfigurar o seu objetivo narrativo e retirar a idéia do contexto onde surgiu e se desenvolveu. Não cabe nem mesmo a afirmação dogmática de ser a "palavra de Deus", porque o dogma da inerrância bíblica já foi superado, principalmente com os avanços da Ciência, notadamente a partir do século XIV.

                            O primeiro grande golpe desferido contra a “incontestável veracidade bíblica” foi dado por Galileu Galilei (1564 - 1642), que com o seu telescópio artesanal provou a incorreção do sistema cosmológico dos antigos hebreus: a Terra não é o centro do universo e nem do nosso sistema solar. Josué não poderia ter parado o Sol (Js 10, 12-15) para se sagrar vitorioso sobre os exércitos dos reis amorreus, pois é a Terra que gira em torno do Astro Rei e não o contrário, sem contar que "parar o Sol" significaria sair da velocidade de rotação (1.674 km/h na linha do equador) para o estado estacionário do planeta, o que resultaria em um abalo sem precedentes nos continentes, oceanos, montanhas, cidades, etc., transformando tudo em pó. O segundo grande golpe veio com naturalista britânico Charles Darwin (1809 - 1882), com a sua obra "Origem das Espécies"[3] que comprova que os seres vivos são resultado da evolução de espécies anteriores. Além das provas derivadas dos fósseis de animais e hominídeos, a teoria de Darwin é corroborada pelos dados da Genética, que comprovam a ligação entre espécies pelas cadeias de seus DNAs, provando que existe um parentesco cromossômico entre os seres, não havendo um único indivíduo que não tenha surgido de um outro mais elementar. Descobertas após descobertas científicas vão demonstrando que a Bíblia deve ser vista como um livro religioso, e não um livro de história ou de ciência.

                            A religião é uma abordagem humana de Deus, e não o contrário. Calcada em dogmas e rituais, ela não se presta a ser seguida como verdade absoluta, posto que o seu objetivo é o de atrair a humanidade para Deus, fazendo uso da linguagem figurada, das imagens literárias, das metáforas, parábolas, de sacerdotes, lugares sagrados e toda a sorte de recursos didáticos que tornem a Divindade mais inteligível a nós, seres imperfeitos em dificuldade para conhecer, ainda que parcialmente, a Perfeição Absoluta. Não é função da religião disputar o conhecimento com as academias, os laboratórios e universidades, da mesma forma que seria um absurdo a Ciência atacar a fé de cada um de nós.

                            Portanto, partindo do princípio que Deus não erra, visto que é perfeito, a Sua palavra não pode ser desmentida. Se Galileu e Darwin provaram que a Bíblia contém equívocos, não é porque Deus errou, mas porque a Bíblia não pode ser tomada como a Sua palavra, mas palavra humana colocada nos lábios divinos, de acordo com os povos, seus costumes e a época.

                            Darwin trouxe uma situação incômoda na crença da condenação da humanidade resultante do "pecado original" cometido por Adão e Eva: pela teoria da evolução das espécies, o casal adâmico, como original e diferente dos demais seres, nunca existiu. O fato é Darwin nos mostrou que a humanidade é resultado da evolução de espécies anteriores, e não fruto de uma criação única, exclusiva. Portando, o "casal original" não é nada original; se existiu de forma histórica, foi resultado de milhares de casais anteriores a ele.

                            Um fato curioso, mas que é importante nessa história, é o papel da serpente na queda do casal primogênito. Na historieta de Gênesis, existe uma serpente que pensa, fala, seduz e que parece ter pernas, pois não se arrastava sobre o próprio ventre. Falar requer aparelho fonador, pensar requer estrutura cerebral e intricada rede neural e para seduzir se necessita de vontade. Fora do mundo das fábulas e da mitologia, tal cobra nunca existiu. Retirar a linguagem figurada da narrativa bíblica para uma aceitação literal de seu conteúdo é abrir mão da própria inteligência e torcer o texto sagrado dos antigos hebreus. Não se precisa avançar do senso comum para saber que cobra não pensa, não fala e não tem astúcia, características próprias dos seres humanos. E antes que alguém levante a hipótese demoníaca, o texto não permite identificar a serpente com Satanás, pois o que consta no primeiro texto é que "A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito." (Gn 3,1). O texto é claro, trata-se de um animal e não nos permite criar uma situação onde o Anjo Mau - sem entrar no mérito de sua existência - se apresentou como o réptil da história aqui narrada.

                            Por último, o texto bíblico é claro ao afirmar o motivo da expulsão de Adão e Eva do paraíso: “E o Senhor Deus disse: ‘Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente.’ O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse a terra donde tinha sido tirado.” [4] Logo, o motivo apresentado pelo narrador bíblico não é o da desobediência, mas o da rivalidade: a criatura já tinha ciência, se conquistasse a eternidade, rivalizaria com Deus. Por isso da impossibilidade da permanência do casal original no jardim do Éden. De forma intencional, o Cristianismo atribuiu o motivo da expulsão à desobediência.

                            Em resumo, não temos Adão, Eva ou serpente, não temos fruto proibido, expulsão do paraíso e pecado original. O que temos é uma narrativa metafórica incluída na Bíblia, e como tal era vista pelos judeus antigos até que Paulo de Tarso fez uso dela para solucionar um grande problema que as comunidades cristãs viviam: a judaização do Cristianismo.


São Paulo e a Teologia da Cruz

                            A idéia do "pecado original" nasce com São Paulo. O Apóstolo dos Gentios cria uma forma inteligente dos incircuncisos participarem das comunidades cristãs sem precisarem aderir ao Judaísmo. A sua saída teológica foi a da salvação pela cruz.

                            Paulo entendia que em Jesus não havia mais judeus e gentios, homens e mulheres, senhores e escravos; todos eram iguais por Nosso Senhor Jesus Cristo[5]. Era uma forte oposição ao grupo representado por Tiago, irmão do Senhor, que entendia que Jesus era o coroamento das promessas feitas por Deus à Abraão. Ora, pensavam os partidários de Tiago, não haveria como a pessoa ser recebida em Cristo sem antes fazer parte da família de Abraão. Isso significava aceitar todas as prescrições mosaicas, inclusive as da circuncisão, respeito ao sábado, ofertas no templo de Jerusalém, abstenção das carnes consideradas impuras, etc.

                            Paulo, e seu companheiro de evangelização, Barnabé de Chipre, entendiam que tais exigências sufocariam qualquer tentativa de converter as pessoas oriundas do politeísmo à causa cristã. Uma coisa era aceitar o rito do batismo, outra bem diferente seria um grego adulto aceitar um corte na pele do pênis, prática mosaica conhecida como circuncisão. O Convertido de Damasco, com sua experiência na comunidade cristã de Antioquia da Síria, concluiu que não haveria justificativa plausível para a tendência judaizante imposta pelo grupo de Jerusalém. Afinal, tanto os gregos como os judeus recebiam os dons do Espírito Santo, não cabendo aos homens distinguir onde Deus abençoou[6].

                            Imbuído de tal pensamento, Paulo de Tarso construiu a teologia pela qual o pecado entrou no mundo por um só homem, Adão, e por um só homem, Jesus, o mesmo pecado saiu dele[7]. Jesus, ao morrer na cruz, afirmava Paulo, foi o derradeiro sacrifício pelos pecados de todos nós, libertando o homem das amarras da lei de Moisés, lei esta que permitia ao homem viver de forma digna ainda que sob o poder da sua fraqueza. Se Jesus havia nos liberado do pecado, não faria sentido os homens continuarem sob a lei dada aos pecadores. Com isso, a fé de Abraão era a fé dos cristãos em Nosso Senhor, não havendo mais a necessidade de templo, oferendas, circuncisão, etc. Por isso que encontramos no evangelho de João a afirmativa do Batista de que Jesus é o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João 1, 29). Este evangelho, escrito por volta do ano 100, concebido décadas depois da epístola de Paulo, já traz a doutrina da libertação pela cruz.

                            A teologia paulina também atendia a uma grande indagação dos primeiros cristãos: se Jesus era o Messias Divino, o Filho de Deus, por que ele morreu na cruz como um bandido? Como explicar para os judeus que o seu mashiak, ao invés de libertar o "povo escolhido" do abuso imperialista romano, foi vítima pacífica daqueles estrangeiros tirânicos? Como fazer um grego entender que o Christós havia sido sentenciado ao castigo mais vergonhoso e doloroso que o Império dos Césares poderia reservar a uma pessoa? Que tipo de salvador era aquele que não conseguiu descer da cruz onde o deixaram?

                            A teologia paulina, mais uma vez, responde a esses questionamentos transformando o escândalo da cruz em símbolo de redenção, de vitória. É na salvação dos pecados que Paulo encontra utilidade na morte por crucificação de Jesus. O seu sangue escorreu na cruz pela humanidade como o sangue do cordeiro imaculado era oferecido sobre o altar do templo de Jerusalém, mas em Jesus a redenção é universal e eterna, enquanto a do sacrifício animal é individual e precisa ser renovada a cada ano ou a cada falta. Jesus precisava morrer para que o seu sangue resgatasse a humanidade do pecado de Adão e Eva, permitindo aos crentes a limpeza da alma necessária para viverem na nova ordem das coisas, aguardada para a segunda vinda de Cristo: o Reino de Deus.


Quando a Solução se Torna o Problema

                            Entendida em seu contexto, a teologia paulina foi de uma genialidade impar. Não há como pensar o Cristianismo sem Paulo de Tarso. É provável que, sem a teologia de Paulo, o Cristianismo desaparecesse como outras religiões orientais desapareceram no Império Romano. Foi a sua visão inovadora que permitiu não só a recepção dos gentios no seio das comunidades cristãs, como a rápida propagação dos Cristianismo em toda a costa do Mediterrâneo em apenas um século. Se a doutrina judaizante de Tiago tivesse vencido, a igreja seria de poucos adeptos no mundo helênico, e teria sucumbido junto com a cidade de Jerusalém, com a invasão do exército romano sob o comando do general Tito, no ano 70 d.C.

                            Contudo, nos dias de hoje, a teologia paulina não se sustenta, pois o terreno onde foi erigida é todo movediço. Adão, enquanto primeiro homem criado por Deus pronto e acabado, nunca existiu, da mesma forma que não existiu Eva, assim como nunca existiu uma serpente que fala, quanto mais uma serpente detentora de astúcia. Sem Adão e Eva não existe desobediência a Deus, logo não existe pecado e, por decorrência, não existe punição. Somente a imposição dogmática dos teólogos e a aceitação incondicional dos fiéis cristãos tem impedido que a teologia do pecado desapareça.

                            Ainda que Adão e Eva fossem personagens reais, ainda que serpente tivesse pernas, falasse e os tivesse convencido a comer do fruto da árvore do conhecimento, o bom senso não poderia aceitar que Deus, detentor da infinita bondade e justiça, punisse não só o casal original como toda a sua descendência com a maldição da morte e de uma natureza íntima corrupta. Também não se pode admitir que este mesmo Deus, para se reconciliar com a humanidade, precisasse do sangue de um inocente para aplacar a sua ira.

                            Em termos simples, teríamos um Deus irado, que nos culparia pelo pecado dos outros (Adão e Eva) e que nos absolveria pelo sacrifício de um inocente (Jesus). Por essa lógica, seríamos punidos pelo erro de desconhecidos e redimidos pelo sacrifício de terceiro, sem que em nada fizéssemos a diferença, nem para o erro, nem para a remissão, nos roubando por completo o dom maravilhoso do livre arbítrio.

                            No dizer do grande escritor espírita Léon Dennis:

"Apresentado em seu aspecto dogmático, o pecado original, que pune toda a posteridade de Adão, isto é, a Humanidade inteira, pela desobediência do primeiro par, para depois salvá-la por meio de uma iniqüidade inda maior – a imolação de um justo – é um ultraje à razão e à moral, consideradas em seus princípios essenciais – a bondade e a justiça. Mais contribuiu para afastar o homem da crença em Deus, que todas as agressões e todas as críticas da Filosofia."[8]

                            Assim, a condenação surge da cabeça de um homem, Paulo de Tarso, motivada pela preservação do Cristianismo frente ao desafio de sua autonomia em relação ao Judaísmo, mas, nos dias atuais, ameaça ser o motivo da perda de credibilidade do mesmo Cristianismo quando chamado a explicar-se em mundo menos inclinado às fábulas e mais exigente em relação aos fatos.

                            Na terceira e última parte deste artigo, mostraremos como o Espiritismo entende o pecado e a salvação da humanidade.

                            Até lá.



[1] Parte da teologia que trata da salvação do homem.
[2] Vários estudiosos apontam para o livro de Jó como o livro mais antigo da Bíblia.

[3] O título completo pode ser traduzido como "Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida".
[4] Gn 3, 22-23

[5] Gl 3, 28-29.

[6] At 10, 44-48; 15, 1-35.
[7] Rm 5, 15.
[8] Léon Dennis, Cristianismo e Espiritismo, Ed. FEB.