sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013


Pesquisa sobre psicografia pode ajudar a desvendar mediunidade
Médico goiano integrou equipe de cientistas que analisou o cérebro de médiuns em processo de transe. Resultados inéditos colaboram para romper paradigmas científicos
 
Fernando Leite/Jornal Opção
Leonardo Caixeta, doutor em Neurologia: “Nós não podemos negar um fenômeno que existe, que está a olhos vistos, que qualquer cientista honesto tem de reconhecer: nós somos seres espirituais”
 
Thiago Burigato

Poucas vezes a fronteira entre a fé e a ciência costuma ser testada por pesquisadores. Muitas vezes, o preconceito e o temor de críticas por parte de seus pares impedem cientistas de ir fundo em questões que poderiam levar o conhecimento humano a compreensões que a razão pura e o senso comum não conseguiriam vislumbrar. No entanto, vez ou outra um grupo de estudiosos resolve romper as amarras pré-estabelecidas, pesquisar o que poucos consideraram antes e chegar a conclusões surpreendentes, que prometem romper paradigmas e abrir portas para novas possibilidades.

Leonardo Caixeta, doutor em Neurologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), é um dos que se se dispõem a averiguar o que outros não se atreveriam. Juntamente com outros três cientistas brasileiros e um estadunidense, ele iniciou em 2008 um estudo que buscava aferir o que acontece na cabeça de um médium no momento do suposto contato com o sobrenatural. Pu­blicada em novembro deste ano, a pesquisa recebeu o reconhecimento da comunidade científica internacional e tem suscitado debates sobre os novos rumos dos estudos científicos — cada vez mais receptivos ao espiritual, mas ainda entremeados de preconceitos.

Caixeta relata que a ideia da pesquisa veio exatamente por conta de os membros do grupo se sentirem incomodados com o predomínio do paradigma materialista, o que, segundo ele, limita a ciência, impossibilitando que novos ramos sejam explorados e novas descobertas sejam feitas. “É importante que a ciência se dedique mais a isso (a explorar novas áreas), porque ela não pode ser parcial. A ciência não pode estudar só um campo e deixar outro de lado, porque ela não tem preconceito”, afirma. “A ciência talvez seja a coisa mais democrática que o ser humano tenha criado até hoje, porque ela não tem dogmas. Ciência é o método científico. Se você conseguir comprovar o que está falando usando métodos, eu sou todo ouvidos para lhe escutar.”

Há quatro anos, Caixeta e professores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Juiz de Fora — Julio Peres, Alexander Moreira-Almeida e Frederico Leão — decidiram estudar os limites entre as experiências materiais e as experiências extracorpóreas usando metodologias científicas. Para este fim, o grupo entrou em contato com Andrew Newberg, renomado neurocientista estadunidense que já participou de estudos referentes a possessões demoníacas e realizou estudos sobre o processo de transe de monges budistas. Em seu laboratório, no Hospital da Univer­sidade da Pensilvânia, na Fila­délfia, os cientistas puderam analisar os cérebros de dez médiuns brasileiros durante o processo de psicografia.


Os objetos de estudo não tiveram seus nomes revelados. Eles eram todos registrados na Federação Espírita Brasileira (FEB), que apoiou os cientistas no trabalho que estavam desenvolvendo. Os médiuns, seis mulheres e quatro homens, se voluntariaram para participarem da pesquisa, mas só foram selecionados após um longo processo de triagem. Estavam entre os pré-requisitos em que deveriam se encaixar: não sofrerem problemas de saúde, serem destros, não portarem nenhum transtorno mental (como esquizofrenia, depressão, autismo ou bipolaridade, por exemplo) e não fazerem uso de nenhum medicamento psiquiátrico. Era essencial para os cientistas que metade dos médiuns tivesse várias décadas de experiência com psicografia, enquanto a outra metade tivesse apenas alguns anos de prática de contato com o mundo espiritual.

O procedimento a que foram submetidos é conhecido como Spect, ou Single Photon Emission Computed Tomogra­phy, na sigla em inglês (ou “Tomografia Computadorizada de Emissão de Fóton Único”, em português). Ele consiste na aplicação de substâncias radioativas na corrente sanguínea, que permitiriam o mapeamento da atividade cerebral dos mé­diuns por meio do fluxo sanguíneo.
A hipótese dos cientistas, ou seja, o resultado que eles esperavam encontrar com o estudo, era o que qualquer cético poderia intuir sobre o processo psicográfico: que as áreas do cérebro ligadas à criatividade e ao planejamento — as que são comumente usadas durante o processo de desenvolvimento e escrita de um texto — seriam as mais trabalhadas. Essas re­giões, então, receberiam maior fluxo sanguíneo, o que seria evidenciado pelo exame.

Os resultados, porém, foram surpreendentes: os cérebros dos médiuns estudados, especialmente daqueles mais experientes, apresentaram pouca atividade enquanto elaboravam os textos supostamente influenciados por espíritos. O lóbulo frontal, a parte do cérebro responsável pelo planejamento e pela criatividade, teve atividade muito inferior ao que era esperado para ocorrer em um processo complexo que envolve a concentração, a organização de ideias, a escolha de palavras, a elaboração de um discurso lógico etc.


De forma contrastante, quando submetidos ao mesmo procedimento fora do transe mediúnico, incitados a escreverem uma redação de autoria própria, os médiuns apresentaram atividade intensa no lóbulo frontal, ainda que os textos desenvolvidos tenham complexidade muito inferior aos produzidos durante o processo psicográfico. A hipótese, sugerida pelos próprios objetos de estudo e endossada por Caixeta, é a de que durante o contato com os espíritos, o cérebro dos médiuns funcionaria como que em uma espécie de piloto automático, anulando a individualidade e permitindo que seus corpos funcionassem como uma ferramenta suscetível à influência dos espíritos para a realização de uma determinada atividade. Nesse processo, o metabolismo dos médiuns estaria desacelerado e suas próprias personalidades e raciocínio não estariam expostos, o contrário do que ocorre durante a execução de uma tarefa consciente e planejada.

A maior atividade percebida no cérebro dos cinco médiuns menos experientes durante a psicografia, quando comparados àqueles que já possuíam vários anos de prática, pode sugerir que quanto mais experiência a pessoa tiver com a mediunidade, mais aberta ela se torna a receber manifestações espirituais e mais ela se entrega à atividade mediúnica, permitindo a uma suposta entidade atuar sobre ele de forma mais fluida. Quanto menor a experiência do médium, menos propenso ele seria para a recepção de influência espiritual e mais de sua personalidade estaria presente no processo psicográfico.

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O Oresultado obtido com o experimento deixou perplexos os cientistas envolvidos, mas não os médiuns submetidos aos testes. Familia­rizados com o que a literatura espírita diz sobre o assunto, eles já supunham qual seria a conclusão do estudo.

 Apesar de inédita e perfeitamente consistente com os rigores científicos, os estudiosos temiam que a pesquisa não pudesse ser publicada devido a sua natureza voltada para o que é considerado sobrenatural. O motivo da apreensão era relacionado à recepção de pessoas ligadas à comunidade acadêmica, ainda muito preconceituosa com determinados temas. Muitos cientistas que às vezes tem vinculação religiosa — não é porque é cientista que tem de ser ateu — sempre tiveram alguma hesitação de começar a entrar nesse campo por parte da receptividade da comunidade acadêmica. “Nós no início hesitamos de entrar nesse caminho. Tínhamos preocupações como ‘será que vamos conseguir verba para fazer essa pesquisa? Será que vamos conseguir publicar esses dados?’ ”, conta Caixeta.

A publicação de um estudo em uma revista científica é a validação de que ela foi aceita e reconhecida por seus pares. “Se a pesquisa é publicada no Brasil, ela é reconhecida pela comunidade científica nacional. Se é publicada fora, é reconhecida pela comunidade internacional”, explica. Sem a publicação, todo o esforço e investimento empreendidos para a realização de um estudo seriam em vão. Os temores da equipe de cientistas, contudo, se mostraram injustificados depois que a quarta mais importante revista científica do mundo, a “PLoS One”, reconheceu a qualidade do trabalho realizado e efetuou sua publicação em novembro deste ano sob o título “Neuroimagem durante o estado de transe: uma contribuição ao estudo da dissociação”.

Caixeta afirma que, nos cinco primeiros dias após a publicação, o estudo foi acessado cerca de 5 mil vezes, o que comprovou o reconhecimento da comunidade internacional. O cientista avalia também que os dados revelam maior interesse e maior receptividade a esse tipo de achado, fato que surpreendeu os autores do projeto.

As críticas, parte do processo acadêmico, ainda não começaram a chegar, dado o curto tempo decorrido desde a publicação da pesquisa. Caixeta, porém, tem a expectativa de que elas se limitem a pontos referentes à forma como o experimento foi conduzido, como, por exemplo, a utilização de uma amostragem muito pequena, ou talvez algum questionamento sobre o processo de aferência dos dados. “Em ciência você não pode chegar e falar ‘eu não acredito!’. É diferente da religião, onde você pode chegar para um padre e dizer: ‘eu não acredito no que você está falando’. Em ciência você segue um método, todas as informações são relatadas. Então, se houver alguma crítica, ela vai ser voltada para questões metodológicas”, diz.


A continuidade do estudo está nos planos de Caixeta e de outros cientistas goianos. Em parceria, eles pretendem ampliar a quantidade de objetos de estudo e replicar os procedimentos para verificar se os resultados se repetem. Outras situações mediúnicas também devem ser alvo de análise. Enquanto alguns dizem ter somente a capacidade de reproduzir textualmente as mensagens dos espíritos, outros teriam a habilidade de transmiti-las por meio da própria voz ou da pintura, por exemplo, e esses casos seriam levados em consideração em outras pesquisas.

Caso os próximos procedimentos apenas confirmem os dados relatados, esse experimento pode ajudar a escancarar as portas para um viés da ciência voltado para o estudo daquilo que tem uma base extramaterial, que possivelmente jamais seria alvo de estudo dentro da ciência materialista. Como frisa Caixeta, o objetivo da pesquisa da qual ele fez parte nunca foi provar a existência (ou a não existência) de Deus, mas sim estudar um fenômeno abundante em culturas de todo o mundo e que tem relevância especialmente em terras brasileiras. Mas, como parte de uma vertente da ciência voltada para o religioso e para o espiritual, o estudo pode ajudar a romper com paradigmas e a estabelecer definitivamente uma tendência voltada para a pesquisa do sobrenatural e do imaterial.

Caixeta defende que a ciência não se baseie em preconceitos e que os cientistas, em especial os da área médica, não fechem os olhos para novas possibilidades. “Segundo a Organização Mundial da Saúde, nós somos seres físico-psíquico-sócio-espirituais. Então nós temos uma vertente física, um viés psicológico, um lado social e uma dimensão espiritual. Portanto, nós não podemos deixar de contemplar isso”, diz. “Isso é especialmente caro para as ciências médicas porque em Medicina nós nos deparamos com situações em que o médico precisa ter um conhecimento maior nessa área para não se deixar enganar por determinados diagnósticos e também para tratar melhor seu paciente dentro do seu âmbito cultural.”

Segundo Caixeta, apesar do preconceito ainda entranhado no meio, a ciência hoje segue a tendência de dar cada vez mais relevância ao lado espiritual do ser humano. Essa tendência, diz, é irreversível. “Nós não podemos negar um fenômeno que existe, que está a olhos vistos, que qualquer cientista honesto tem de reconhecer: que nós somos seres espirituais. Isso significa que nós temos aberturas a manifestações, fenômenos e entendimentos que estão além do nosso corpo”, afirma. “Passamos por um momento em que se torna necessário aproximar o método científico dos fenômenos religiosos e espirituais, de toda essa antropologia da religião e da conexão do homem com Deus.” .

FONTE: Jornal Opção Edição 1952 de 2 a 8 de dezembro de 2012
Fé e Ciência
http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/pesquisa-sobre-psicografia-pode-ajudar-a-desvendar-mediunidade

Agradecimentos ao colega Adolfo Simon, que nos enviou a reportagem do Jornal Opção em DEZ/12, e aproveitamos para pedir desculpas pela demora em publicá-la.
 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista: Ezio Mauro

‘Cansaço físico é apenas a moldura da decisão do papa'

Diretor de uns dos maiores jornais da Itália afirma que desacordo com a cúpula do poder da Igreja é o principal motivo da renúncia de Bento XVI

 

A explicação oficial inicial para a renúncia do papa Bento XVI, anunciada na última segunda-feira, foi a perda das forças físicas. Um motivo surpreendente, particularmente depois que o mundo – bem como Joseph Ratzinger – acompanhou o calvário de seu antecessor, João Paulo II. Aos poucos, no entanto, Bento XVI foi dando novos esclarecimentos, que descortinaram outros motivos para a imprevista renúncia.

Na missa da Quarta-Feira de Cinzas, o papa denunciou que“o rosto da Igreja é por vezes desfigurado por pecados contra a unidade da Igreja e divisões do corpo eclesiástico”, e lembrou que Jesus denunciou “a hipocrisia religiosa” e aqueles que buscam o aplauso e a aprovação do público em vez da simplicidade. Ratzinger não foi específico, mas, para um dos maiores jornais da Itália, o La Repubblica, que levantou a bandeira dos motivos políticos já na segunda-feira, o discurso do papa se dirigia abertamente a Tarcisio Bertone, o cardeal indicado por Bento XVI para secretário do estado do Vaticano. Diretor do jornal, Ezio Mauro afirma, em entrevista ao site de VEJA, que o objetivo do papa com a sua renúncia era derrubar o governo de Bertone, já que no papado lhe faltavam forças para revolucionar internamente o Vaticano. Confira a entrevista:

O La Repubblica possui informações seguras de dentro do Vaticano confirmando que os motivos da renúncia do papa são políticos? Imediatamente após a renúncia escrevemos que as razões para a perda de vigor físico, a idade que avança, o cansaço são certamente apenas a moldura de sua decisão. Na quarta-feira, o papa disse abertamente que existem outras razões. Nós dissemos imediatamente que o cansaço era um desacordo profundo com a Cúria, com o modo pelo qual a Cúria é governada e, ao mesmo tempo, a quase incapacidade de mudar essa situação com um papa idoso, que se sente cansado para revolucionar todo um sistema do Vaticano. Então, a sua demissão responde a seus desejos pessoais, físicos e morais de ter um pouco de tranquilidade e se associa também à necessidade, nessa sua estrada, de zerar o governo da Igreja.


O La Repubblica defende em seus artigos que o objetivo do papa era derrubar o seu próprio secretário de estado, Tarcisio Bertone. O que mudaria na Igreja sem Bertone? É automático nas regras do Vaticano que, quando um papa renuncia, o secretário de estado, que foi indicado pelo próprio papa, também cai. Assim acaba automaticamente o reinado de Bertone. O próximo papa será um soberano absoluto que pode escolher se quer manter Bertone ou nomear um outro secretário de estado. Com a renúncia do papa, termina o governo de Bertone. Dizem que o papa é contrário aos métodos usados pela secretaria do estado, sobretudo nos últimos anos, e piorou com os escândalos em que o Vaticano se meteu, o vazamento de informações, o corvo [referência ao mordomo Paolo Gabriele]. Então, com o discurso muito duro que ele pronunciou na quarta-feira, sobre as divisões dentro da Igreja, as personalidades que deturpam a imagem da Igreja, ele se dirigiu à cúpula do poder da igreja. É como se o papa tivesse dito ‘eu falei da minha doença, da minha fraqueza física, e, na alma, também falo da doença da Igreja’. Certamente isso também influenciou a decisão do papa.


Em um vídeo publicado na segunda-feira no Repubblica TV, o senhor comenta que a renúncia representa a modernização da Igreja. O senhor se referia à justificativa humana de Joseph Ratzinger ou à possibilidade de uma transformação na forma como opera a Igreja? Às duas coisas ao mesmo tempo. Eu disse que essa renúncia é a irrupção da modernidade dentro de uma estrutura secular porque o homem, com as suas fraquezas, com a diminuição de suas forças físicas, emerge, vem à luz, e não tanto a figura santa, sagrada do papa. É a pessoa física. E isso é um sinal de modernização. Além disso, de qualquer forma, a dessacralização do papa, que permanece certamente como figura de referência para todos os católicos, mostra que ele também é um homem e que é preciso levar em conta as debilitações humanas, as suas forças. Tudo isso transformará a Igreja, pois se o papa se demite porque lhe faltam as forças, a escolha de seu sucessor deve levar isso em conta. Então haverá os critérios espirituais, de autoridade, mas também os físicos, de idade, o caráter, o estado da alma. Nesse sentido, há uma modernização da Igreja.

FONTE: Revista Veja
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/%E2%80%98cansaco-fisico-e-apenas-a-moldura-da-decisao-do-papa