segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista: Ezio Mauro

‘Cansaço físico é apenas a moldura da decisão do papa'

Diretor de uns dos maiores jornais da Itália afirma que desacordo com a cúpula do poder da Igreja é o principal motivo da renúncia de Bento XVI

 

A explicação oficial inicial para a renúncia do papa Bento XVI, anunciada na última segunda-feira, foi a perda das forças físicas. Um motivo surpreendente, particularmente depois que o mundo – bem como Joseph Ratzinger – acompanhou o calvário de seu antecessor, João Paulo II. Aos poucos, no entanto, Bento XVI foi dando novos esclarecimentos, que descortinaram outros motivos para a imprevista renúncia.

Na missa da Quarta-Feira de Cinzas, o papa denunciou que“o rosto da Igreja é por vezes desfigurado por pecados contra a unidade da Igreja e divisões do corpo eclesiástico”, e lembrou que Jesus denunciou “a hipocrisia religiosa” e aqueles que buscam o aplauso e a aprovação do público em vez da simplicidade. Ratzinger não foi específico, mas, para um dos maiores jornais da Itália, o La Repubblica, que levantou a bandeira dos motivos políticos já na segunda-feira, o discurso do papa se dirigia abertamente a Tarcisio Bertone, o cardeal indicado por Bento XVI para secretário do estado do Vaticano. Diretor do jornal, Ezio Mauro afirma, em entrevista ao site de VEJA, que o objetivo do papa com a sua renúncia era derrubar o governo de Bertone, já que no papado lhe faltavam forças para revolucionar internamente o Vaticano. Confira a entrevista:

O La Repubblica possui informações seguras de dentro do Vaticano confirmando que os motivos da renúncia do papa são políticos? Imediatamente após a renúncia escrevemos que as razões para a perda de vigor físico, a idade que avança, o cansaço são certamente apenas a moldura de sua decisão. Na quarta-feira, o papa disse abertamente que existem outras razões. Nós dissemos imediatamente que o cansaço era um desacordo profundo com a Cúria, com o modo pelo qual a Cúria é governada e, ao mesmo tempo, a quase incapacidade de mudar essa situação com um papa idoso, que se sente cansado para revolucionar todo um sistema do Vaticano. Então, a sua demissão responde a seus desejos pessoais, físicos e morais de ter um pouco de tranquilidade e se associa também à necessidade, nessa sua estrada, de zerar o governo da Igreja.


O La Repubblica defende em seus artigos que o objetivo do papa era derrubar o seu próprio secretário de estado, Tarcisio Bertone. O que mudaria na Igreja sem Bertone? Ã‰ automático nas regras do Vaticano que, quando um papa renuncia, o secretário de estado, que foi indicado pelo próprio papa, também cai. Assim acaba automaticamente o reinado de Bertone. O próximo papa será um soberano absoluto que pode escolher se quer manter Bertone ou nomear um outro secretário de estado. Com a renúncia do papa, termina o governo de Bertone. Dizem que o papa é contrário aos métodos usados pela secretaria do estado, sobretudo nos últimos anos, e piorou com os escândalos em que o Vaticano se meteu, o vazamento de informações, o corvo [referência ao mordomo Paolo Gabriele]. Então, com o discurso muito duro que ele pronunciou na quarta-feira, sobre as divisões dentro da Igreja, as personalidades que deturpam a imagem da Igreja, ele se dirigiu à cúpula do poder da igreja. É como se o papa tivesse dito ‘eu falei da minha doença, da minha fraqueza física, e, na alma, também falo da doença da Igreja’. Certamente isso também influenciou a decisão do papa.


Em um vídeo publicado na segunda-feira no Repubblica TV, o senhor comenta que a renúncia representa a modernização da Igreja. O senhor se referia à justificativa humana de Joseph Ratzinger ou à possibilidade de uma transformação na forma como opera a Igreja? Ã€s duas coisas ao mesmo tempo. Eu disse que essa renúncia é a irrupção da modernidade dentro de uma estrutura secular porque o homem, com as suas fraquezas, com a diminuição de suas forças físicas, emerge, vem à luz, e não tanto a figura santa, sagrada do papa. É a pessoa física. E isso é um sinal de modernização. Além disso, de qualquer forma, a dessacralização do papa, que permanece certamente como figura de referência para todos os católicos, mostra que ele também é um homem e que é preciso levar em conta as debilitações humanas, as suas forças. Tudo isso transformará a Igreja, pois se o papa se demite porque lhe faltam as forças, a escolha de seu sucessor deve levar isso em conta. Então haverá os critérios espirituais, de autoridade, mas também os físicos, de idade, o caráter, o estado da alma. Nesse sentido, há uma modernização da Igreja.

FONTE: Revista Veja
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/%E2%80%98cansaco-fisico-e-apenas-a-moldura-da-decisao-do-papa  

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário