Entrevista: Ezio Mauro
‘Cansaço fÃsico é apenas a moldura da decisão do papa'
Diretor de uns dos maiores jornais da Itália afirma que desacordo com a cúpula do poder da Igreja é o principal motivo da renúncia de Bento XVI
A explicação oficial inicial para a renúncia do papa Bento XVI,
anunciada na última segunda-feira, foi a perda das forças fÃsicas. Um
motivo surpreendente, particularmente depois que o mundo – bem como
Joseph Ratzinger – acompanhou o calvário de seu antecessor, João Paulo II. Aos poucos, no entanto, Bento XVI foi dando novos esclarecimentos, que descortinaram outros motivos para a imprevista renúncia.
Na missa da Quarta-Feira de Cinzas,
o papa denunciou que“o rosto da Igreja é por vezes desfigurado por
pecados contra a unidade da Igreja e divisões do corpo eclesiástico”, e
lembrou que Jesus denunciou “a hipocrisia religiosa” e aqueles que
buscam o aplauso e a aprovação do público em vez da simplicidade.
Ratzinger não foi especÃfico, mas, para um dos maiores jornais da
Itália, o La Repubblica, que levantou a bandeira dos motivos
polÃticos já na segunda-feira, o discurso do papa se dirigia abertamente
a Tarcisio Bertone, o cardeal indicado por Bento XVI para secretário do
estado do Vaticano. Diretor do jornal, Ezio Mauro afirma, em entrevista
ao site de VEJA, que o objetivo do papa com a sua renúncia era derrubar
o governo de Bertone, já que no papado lhe faltavam forças para
revolucionar internamente o Vaticano. Confira a entrevista:
O La Repubblica possui informações seguras de dentro do Vaticano confirmando que os motivos da renúncia do papa são polÃticos? Imediatamente
após a renúncia escrevemos que as razões para a perda de vigor fÃsico, a
idade que avança, o cansaço são certamente apenas a moldura de sua
decisão. Na quarta-feira, o papa disse abertamente que existem outras
razões. Nós dissemos imediatamente que o cansaço era um desacordo
profundo com a Cúria, com o modo pelo qual a Cúria é governada e, ao
mesmo tempo, a quase incapacidade de mudar essa situação com um papa
idoso, que se sente cansado para revolucionar todo um sistema do
Vaticano. Então, a sua demissão responde a seus desejos pessoais,
fÃsicos e morais de ter um pouco de tranquilidade e se associa também Ã
necessidade, nessa sua estrada, de zerar o governo da Igreja.
O La Repubblica defende em seus artigos que o objetivo
do papa era derrubar o seu próprio secretário de estado, Tarcisio
Bertone. O que mudaria na Igreja sem Bertone? É automático nas
regras do Vaticano que, quando um papa renuncia, o secretário de estado,
que foi indicado pelo próprio papa, também cai. Assim acaba
automaticamente o reinado de Bertone. O próximo papa será um soberano
absoluto que pode escolher se quer manter Bertone ou nomear um outro
secretário de estado. Com a renúncia do papa, termina o governo de
Bertone. Dizem que o papa é contrário aos métodos usados pela secretaria
do estado, sobretudo nos últimos anos, e piorou com os escândalos em
que o Vaticano se meteu, o vazamento de informações, o corvo [referência ao mordomo Paolo Gabriele].
Então, com o discurso muito duro que ele pronunciou na quarta-feira,
sobre as divisões dentro da Igreja, as personalidades que deturpam a
imagem da Igreja, ele se dirigiu à cúpula do poder da igreja. É como se o
papa tivesse dito ‘eu falei da minha doença, da minha fraqueza fÃsica,
e, na alma, também falo da doença da Igreja’. Certamente isso também
influenciou a decisão do papa.
Em um vÃdeo publicado na segunda-feira no Repubblica TV, o
senhor comenta que a renúncia representa a modernização da Igreja. O
senhor se referia à justificativa humana de Joseph Ratzinger ou Ã
possibilidade de uma transformação na forma como opera a Igreja? Às
duas coisas ao mesmo tempo. Eu disse que essa renúncia é a irrupção da
modernidade dentro de uma estrutura secular porque o homem, com as suas
fraquezas, com a diminuição de suas forças fÃsicas, emerge, vem à luz, e
não tanto a figura santa, sagrada do papa. É a pessoa fÃsica. E isso é
um sinal de modernização. Além disso, de qualquer forma, a
dessacralização do papa, que permanece certamente como figura de
referência para todos os católicos, mostra que ele também é um homem e
que é preciso levar em conta as debilitações humanas, as suas forças.
Tudo isso transformará a Igreja, pois se o papa se demite porque lhe
faltam as forças, a escolha de seu sucessor
deve levar isso em conta. Então haverá os critérios espirituais, de
autoridade, mas também os fÃsicos, de idade, o caráter, o estado da
alma. Nesse sentido, há uma modernização da Igreja.
FONTE: Revista Veja
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/%E2%80%98cansaco-fisico-e-apenas-a-moldura-da-decisao-do-papa
Nenhum comentário:
Postar um comentário