Ressurreição de Cristo - Carl Bloch
Condenados por Deus: Um Problema Teológico (Parte III - final)
por Jefferson
Esta
é a terceira e última parte do artigo “Condenados por Deus: um problema
teológico”. Para os que estão acessando o artigo pela primeira vez, sugerimos a
leitura das duas partes precedentes, publicadas nos dias 22/02 e 27/03/12.
Alguns Conceitos
Básicos
Este
blog é espírita, portanto, muito natural que os assuntos apresentados aqui
sejam escritos e lidos sob esta óptica.
Já
deixamos claro, nas duas partes anteriores deste artigo, que os dogmas do
pecado original e da salvação pela cruz, independente de se acreditar ou não no
Espiritismo, não fazem nenhum sentido, pois a sua base somente se sustenta se a
história de Adão e Eva fosse verdadeira, o que os fatos apresentados pela
Ciência já demonstraram não ser o caso.
Contudo,
se somente derrubássemos o edifício da fé cristã e não oferecêssemos
alternativa, como fazem os defensores do Ateísmo, nada de digno faríamos. Se a
visão espírita diverge da visão apresentada pela teologia cristã, é necessário que
ofereça uma alternativa racional para o desequilíbrio humano e para o
sofrimento que sempre ronda a nossa espécie, sem que para isso haja a necessidade
de recorrer à “natureza pecadora” e ao “castigo divino” com os quais não
concorda. Para tanto, qual a explicação espírita para essas questões?
Para
responder a essa pergunta, precisamos partir de um conhecimento comum daquilo
que o Espiritismo professa, principalmente para quem não tem intimidade nenhuma
com a literatura espírita:
1)
O Espiritismo acredita em Deus? Sim, tanto que
o início dos estudos espíritas, explanados no livro-base do Espiritismo, “O
Livro dos Espíritos” de Allan Kardec, destina o seu primeiro capítulo somente
para tratar Dele. Na questão número quatro, daquele livro, temos:
“4. Onde se pode encontrar a prova da
existência de Deus?
“Num axioma que aplicais às vossas ciências.
Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a
vossa razão responderá.”
2)
Como é Deus na visão espírita? É um Deus que
se revela muito mais pela Sua criação do que pelos livros e pelos templos. Na
questão nona, do livro já citado, temos a seguinte explicação:
“9. Em que é que, na causa primária, se
revela uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências?
“Tendes um provérbio que diz: Pela obra se
reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho é que
gera a incredulidade. O homem orgulhoso nada admite acima de si. Por isso é que
ele se denomina a si mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus
pode abater!”
Mais adiante, a
questão de número treze trata dos atributos de Deus:
13. Quando dizemos que Deus é eterno,
infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom,
temos idéia completa de Seus atributos?
“Do vosso ponto de vista, sim, porque credes
abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do
homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e
sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus
deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma Lhe faltasse,
ou não fosse infinita, já Ele não seria superior a tudo, não seria, por
conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar
isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação
possa conceber.”
Portanto, Deus,
para a Doutrina Espírita, é a causa primária de tudo e a inteligência suprema
do universo, possuindo todas as Suas qualidades (justiça, amor, sabedoria,
etc.) em grau infinito, sem possuir nenhuma partícula de nossas limitações,
nenhum átomo de nossos defeitos.
3)
Como o Espiritismo entende a Bíblia? Podemos
tomar por base as palavras de Allan Kardec, que organizou e publicou o ensino
dos Espíritos, como uma opinião da maioria dos espíritas:
“A Bíblia, evidentemente, encerra fatos que
a razão, desenvolvida pela Ciência, não poderia hoje aceitar e outros que
parecem estranhos e derivam de costumes que já não são os nossos. Mas, a par
disso, haveria parcialidade em se não reconhecer que ela guarda grandes e belas
coisas. A alegoria ocupa ali considerável espaço, ocultando sob o seu véu
sublimes verdades, que se patenteiam, desde que se desça ao âmago do
pensamento, pois que logo desaparece o absurdo.” (Allan Kardec, “A Gênese”,
capítulo IV, item 6)
4)
Como a Doutrina Espírita interpreta a narrativa de Adão e
Eva? Segundo os Espíritos que participaram da criação do “Livro dos
Espíritos”, temos a seguinte explicação:
50. A espécie humana começou por um único
homem?
“Não; aquele a quem chamais Adão não foi o
primeiro, nem o único a povoar a Terra.”
Segundo entendimento de Allan
Kardec, o que tem sido confirmado por diversas escritas mediúnicas, Adão
representa um conjunto de espíritos exilados dos seus planetas de origem, vez
que teimavam em permanecer retardatários ao progresso geral de suas sociedades.
Foram trazidos ao nosso planeta e aqui reencarnaram em expiação, para
progredirem e fazer às tribos que aqui estavam, bem mais atrasadas do que eles
em termos morais e intelectuais, progredissem também.
“De acordo com o ensino dos Espíritos, foi
uma dessas grandes imigrações, ou, se quiserem, uma dessas colônias de
Espíritos, vinda de outra esfera, que deu origem à raça simbolizada na pessoa
de Adão e, por essa razão mesma, chamada raça adâmica. Quando ela aqui chegou,
a Terra já estava povoada desde tempos imemoriais, como a América, quando aí
chegaram os europeus.
“Mais adiantada do que as que a tinham
precedido neste planeta, a raça adâmica é, com efeito, a mais inteligente, a
que impele ao progresso todas as outras. A Gênese no-la mostra, desde os seus
primórdios, industriosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado aqui
pela infância espiritual, o que não se dá com as raças primitivas, mas concorda
com a opinião de que ela se compunha de Espíritos que já tinham progredido
bastante. Tudo prova que a raça adâmica não é antiga na Terra e nada se opõe a que
seja considerada como habitando este globo desde apenas alguns milhares de
anos, o que não estaria em contradição nem com os fatos geológicos, nem com as
observações antropológicas, antes tenderia a confirmá-las.” (Allan Kardec,
“A Gênese”, capítulo XI, item 34)
5)
Quem é Jesus para o Espiritismo? Uma pessoa
sem igual, mas não um deus encarnado, porque Deus é único, como é muito claro
toda a Antiga Aliança conhecida como Bíblia Hebraica. Jesus era judeu e como
fiel observador da Torá, nunca reinvidicou para si a condição de divindade. A
dita Santíssima Trindade nunca foi revelação evangélica genuína, mas uma
construção teológica, idéia de gosto das comunidades cristãs de origem
helenista, que não tinham a mesma identidade cultural das primeiras comunidades
judaicas, como a de Jerusalém. Para ganharmos tempo, citaremos apenas duas
passagens evangélicas que deixam bem claro o que afirmamos:
“Aproxima-se então um mancebo e lhe diz:
‘Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna?’ Jesus lhe respondeu: ‘Por que me chamas
bom? Não há senão somente Deus que é bom. Se queres entrar na vida, guarda
os mandamentos.” (Mateus, 19:16 e 17; Marcos, 10:17 e 18; Lucas, 18:18 e
19.)
“Assim falou Jesus, e, erguendo os olhos ao
céu, disse: ‘Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho, para que teu Filho te
glorifique, e que, pelo poder que lhe deste sobre toda carne, ele dê a vida
eterna a todos os que lhe deste! Ora, a
vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e
aquele que enviaste, Jesus Cristo.” (João 17, 1-3; grifos nossos)
6)
Se Jesus não é Deus, então, quem ele é?
Segundo ensinam os Espíritos, Jesus é o modelo dado por Deus à humanidade e
pertence ao grupo dos Espíritos Puros, ou seja, aqueles espíritos que nada mais
tem a expiar, que possuem as virtudes humanas em seu grau máximo sem serem
portadores de nenhum dos vícios de nossa natureza.
“625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem
oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?”
“Jesus.” (Allan Kardec – Livro dos
Espíritos)
7)
Se Jesus é guia e modelo, se a Bíblia tem verdades
sublimes sob o véu da alegoria, para que serve a Doutrina Espírita?
A humanidade está em constante processo de transformação, sempre com novas
demandas e questionamentos. Mais amadurecida, a sociedade atual necessita de
respostas que as suas antecessoras nem pensaram em formular. Longe do ambiente
agropastoril e patriarcal do Oriente Médio, necessita de esclarecimentos e
provas mais apropriadas para o tempo presente. Vejamos o que nos diz o Livro
dos Espíritos:
627. Uma vez que Jesus ensinou as
verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão?
Terão que nos ensinar mais alguma coisa?
“Jesus empregava amiúde, na sua linguagem,
alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e os
lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo
mundo. Muito necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas,
tão poucos são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa
missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os
orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da
religião, a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos tem que ser
claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que
todos o possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o
reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém seja
possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o
sentido de uma lei toda de amor e de caridade.”
Partindo
desses conceitos básicos, fica claro que o Espiritismo não tem por pretensão de
desqualificar ou revogar os ensinos bíblicos, muito menos as palavras de Jesus
e o seu significado inquestionável para a humanidade. O Espiritismo tem por
missão provar, através do ensino daqueles que já viveram como nós e que
continuam a existir depois da morte, que o caminho ensinado por Jesus é o único
a nos trazer felicidade. São os seus testemunhos do além-túmulo, de felicidade
ou de infelicidade, que nos indicam o caminho a seguir ou a evitar, para que
tenhamos uma vida de bem-aventuranças espirituais a partir desta vida mesmo.
São
os Espíritos, enviados pelo Altíssimo, que nos mostram os aspectos práticos de
sermos virtuosos, da razão de nossos sofrimentos e da necessidade que temos de
sermos pessoas mais integras, justas, caridosas, piedosas e compreensivas para
com os nossos semelhantes, enfim, seguirmos os passos de Jesus, para que
possamos ter a verdadeira felicidade, que é a da consciência iluminada, o
verdadeiro templo de Deus.
Com
o Espiritismo, que nada mais é do que o desdobramento da mensagem evangélica, a
consciência se ilumina, o coração se aquece e a alma se ilumina.
Deus não é Beduíno
O
Barão de Montesquieu certa vez disse “Se
os triângulos tivessem um Deus, ele teria três lados”. O Deus da Bíblia
Hebraica é um pastor poderoso, porque era cultuado por povos que tem origem
nômade. A “terra santa” é um pedaço de terra que possui abundância de pedras,
desertos e montanhas, e carência de terras produtivas, mas é santa porque é a
sua terra, e não dos outros. Encontraremos na Bíblia muitas menções ao cedro do
Líbano, ao camelo e ao leão, mas não terá uma linha sobre uma jabuticabeira, uma
jibóia ou lobo-guará, pelo simples fato de que não eram do conhecimento dos
povos do Oriente. Quem escreveu a Bíblia, escreveu para o seu povo, embebido de
sua cultura e de seus costumes, e o Deus narrado por ele também ficará limitado
pelo seu horizonte. Portanto, as características do Deus da Antiga Aliança
serão as mesmas do povo que o cultua.
“Um deus terrível das selvas, um deus árabe,
um deus que atravessava as montanhas, percorria os desertos, repousava em
barracas, suntuosamente coloridas. Um deus que protege seu povo, à noite quando
este se recolhe para dormir, um deus que o leva à batalha, que castiga os seus
inimigos sem dó, um deus que muda de idéia como o vento, que é rápido na
vingança e não recua ante uma mentira quando esta lhe convém. No entanto, é um
deus que não comete injustiças, que é generoso para com estranhos, bondoso para
com os órfãos e misericordioso para com os pobres. Em poucas palavras, um deus
que possui todas as virtudes e defeitos do beduíno árabe.” (Thomas, Henry - A História
da Raça Humana Através da Biografia - 10 ed., Rio de Janeiro: Globo, 1979, p.40
e 41).
O
mundo mudou, a humanidade evoluiu, Deus já não cabe mais nesse modelo. Como
vimos mais acima, “Pela obra se reconhece
o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor.”, dizem os Espíritos.
Feita a proposta, vamos estudar a obra para conseguirmos dimensionar o autor.
Vamos dar um rápido passar de olhos na criação para tentarmos entender a
dimensão de seu Autor.
Além da Imaginação
Toda
a histórica bíblica se passa na região que abrange a bacia latina do
Mediterrâneo, o Oriente Médio e as terras que seriam os atuais Irã e Iraque. A
sua crença na divindade era restrita ao seu conhecimento, às suas experiências,
da mesma forma que os deuses ameríndios e polinésios não se assemelharam ao
Deus de Israel, porque Israel desconhecia esses continentes. O mundo é muito
maior do que Canaã.
O
mundo também não se sustenta sob colunas, não existe uma abóboda onde são
firmadas as estrelas, não existem águas sobre essa abóboda e não existem
abismos sob as colunas. O planeta não é plano e não é o centro do universo.
Portanto, se quisermos entender Deus, temos que olhar para o livro da natureza,
e não para a Bíblia. Pelas Sagradas Escrituras se pode entender muito de como o
povo hebreu entendia Deus, mas não se pode entendê-Lo, pois Ele é muito maior.
Israel,
comparada ao Brasil, Estados Unidos, China e Índia, em termos geográficos, é
uma pedaço de terra inexpressivo, e a sua população, com todo respeito que
merece a sua cultura e as suas tradições milenares, mesmo hoje, é uma parcela
ínfima quando comparada com o somatório de todas as civilizações e culturas que
existiram e existem em nosso planeta. Deus é muito maior para ser representado
por um único povo.
O
nosso próprio planeta, quando comparado com outros tantos, é uma pequena
semente flutuante no espaço cósmico, e o nosso sol, que nos parece tão grande e
imponente, é uma pequena chama de um fósforo aceso ao lado de Arturo, e esta
estrela não passa de pálida fonte de luz se comparada com VY Cão Maior. E
estamos falando de estrelas, que são pontinhos diminutos no condomínio de
galáxias chamado Universo.
“Pela obra se reconhece o autor.”, bem
nos lembram os Espíritos. Pois bem, neste Universo devassado por nossos telescópios
mais poderosos, do qual ainda sabemos muito pouco, é o verdadeiro livro das
virtudes de Deus. Deus não pode ser um beduíno do deserto, não pode se
comportar com as nossas fraquezas e mesquinharias, pois a sua obra espalhada
pelo Cosmos nos atestam a sua infinita sabedoria e poder; uma natureza muito
maior do que as nossas especulações infantis. O que representa uma pequena nota
dissonante nessa sinfonia incalculável de sóis, supernovas, buracos negros e
galáxias? O Arquiteto Supremo, o Criador Incriado é passível de se ofender
conosco a ponto de amaldiçoar toda a raça humana? A sua ira é tão terrível que
somente o sangue no altar, ou a crucificação de um justo é capaz de serená-lo? Elevemos
o olhar para muito além do nosso horizonte. Deus é maior!
Seguindo
a máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras, vamos admirar o livro
da criação divina cujas páginas os antigos hebreus não podiam ler e aproveitar
para refletirmos em qual livro Deus deixou escritos os seus atributos.
A Soteriologia Espírita
Fizemos,
abaixo, um resumo da explicação dada pelos Espíritos sobre a nossa origem, a
causa de nossas aflições e o destino que nos aguarda. Algumas frases são
transcrições literais do Mestre Lionês. Todas as afirmações abaixo podem ser
consultadas nas obras de Allan Kardec, particularmente no item VI de “O Livro
dos Espíritos” e no livreto “O Que é o Espiritismo”.
Deus
tem a sua perfeição proporcional à sua obra, que se caracteriza pela imensidão
ilimitada no tempo e no espaço. Mas se Deus é perfeito, porque nós somos
miseráveis em nossas virtudes, pródigos em nossas desgraças, escravos de nossos
prazeres e vítimas de nossas dores? Se Deus é justo, porque tantas diferenças
visíveis desde o berço sem que a nossa vontade possa afastar o golpe do
destino? Deus é tão grande que não nos enxerga e não ouve os nossos apelos?
Qual a razão da vida que nem sempre é resultado de nossos melhores esforços?
Os
questionamentos não são novos, mas em uma época da busca pela razão, somos
muito mais exigentes nas respostas. Adão e Eva, serpente, paraíso, maldição,
pecado, Satanás, ira divina, nada disso mais satisfaz a quem procura uma
resposta além dos muros do dogma. Para esses o Espiritismo tem muito a dizer.
O
Espiritismo não se impõe a quem quer que seja; quer ser aceito livremente e por
efeito de convicção. Expõe suas doutrinas e acolhe os que voluntariamente o
procuram. Não cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas;
não se dirige aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que,
insatisfeitos com o que se lhes dá, pedem alguma coisa melhor.
O
Espiritismo, que nada mais é do que a Doutrina formada do ensino concordante
dos Espíritos, postula que Deus é eterno, imutável, imaterial, único,
onipotente, soberanamente justo e bom, e que criou o Universo, que abrange
todos os seres animados e inanimados, visíveis e invisíveis. Os seres materiais
constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres imateriais, o mundo
invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos. Todos somos criados simples e
ignorantes, adquirindo inteligência, gostos e tendências de acordo com as
escolhas feitas, conforme vamos evoluindo e passando por diversas experiências.
Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja destruição
pela morte lhes restitui a liberdade. Deixando o corpo, a alma volve ao mundo
dos Espíritos, donde saíra, para passar por nova existência material, após um
lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de
Espírito errante, ou seja, sem morada fixa.
Existem
Espíritos de todas as espécies de inteligência e moralidade, da mesma forma que
percebemos essas diferenças nas pessoas que habitam o nosso mundo. Contudo, os
Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando
pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio
da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida
material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, ou seja, por várias
reencarnações, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral. As diferentes
existências corpóreas do Espírito são sempre progressivas e nunca regressivas;
mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à perfeição.
As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem
de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro.
O
Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência,
pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos. Aquele
que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na
satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando
preponderância à sua natureza animal. Quem transgride a Lei de Deus são
corrigidos através de novas existências, de forma a recomeçar o trabalho que
negligenciaram, que nada mais é do que ser uma pessoa correta e caridosa,
disposta a praticar ao bem e não se revoltar com as dificuldades que fazem
parte da vida.
Não
existem faltas irremissíveis, que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo
encontra o homem nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conforme os
seus desejos e esforços, na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu
destino final. Portanto, o destino do homem está em suas mãos, sendo de sua
responsabilidade os resultados que colhe na vida. Se não encontra causa de seus
sofrimentos nesta vida, deverá suspeitar que a origem remonta a vidas
anteriores.
Assim,
não existe injustiça, mas redenção em cada prova da vida. Mesmo a criança recém
saída do útero materno, que nada fez nessa vida para vir com essa ou aquela
deformidade, nascer nesse ou naquele ambiente, como Espírito imortal, viajante
de muitas existências corporais, colhe hoje o que plantou no passado, e semeia
hoje os frutos saborosos ou amargos do amanhã. Segundo o axioma “todo efeito
tem uma causa”, as misérias da vida são efeitos que hão de ter uma causa e,
desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao
efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de
ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente.
Sem
privilégios, sem maldições, sem injustiças, sem salvação pelo sacrifício de
terceiros. Todos fomos criados com as mesmas possibilidades, todos escolhemos
os nossos caminhos, todos somos responsáveis pelos nossos atos, todas temos as
oportunidades inumeráveis de resgate, aprendizado e evolução. Sendo
soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus
filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma
aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de proceder.
Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça. Mas, a encarnação
para todos os Espíritos, é apenas um estado transitório. E uma tarefa que Deus
lhes impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que farão
do livre-arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa transpõem
rapidamente e menos penosamente os primeiros graus da iniciação e mais cedo
gozam do fruto de seus labores. Os que, ao contrário, usam mal da
liberdade que Deus lhes concede retardam a sua marcha e, talseja a obstinação que demonstrem,
podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação e é quando se torna um
castigo.
Deus,
através dos seus enviados e das pessoas com quem convivemos, nos ensina o bem e
nos estimula ao progresso, cabendo a nós o mérito da vitória ou a
responsabilidade do fracasso momentâneo. Nenhum dos seus filhos se perde,
porque todos tem a eternidade como trunfo para a vitória.
No
nosso atual estágio evolutivo, não nos lembramos das vidas anteriores, porque
essa lembrança mais atrapalharia do que nos auxiliaria em nossa tarefa. Como é
comum reencarnarmos em grupos com quem temos uma história comum, o conhecimento
público de nossas faltas seria motivo de vergonha e remorso; em outro sentido,
os títulos de nobreza, os cargos de importância, os feitos grandiosos do
passado nos eclipsariam a possibilidade de corrigir defeitos, modificar
tendências, ter o benefício do anonimato para podermos desenvolver novos
trabalhos sem desvios. Nascemos sem a memória do passado, que voltará em sua
plenitude quando retornarmos ao nosso estado de Espíritos errantes, mas com a
nossa personalidade, inteligência e índole incólumes, instrumentos necessários
a nossa identidade enquanto indivíduos e ferramentas necessárias ao nosso
progresso. Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que
necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas.
Priva-nos do que nos seria prejudicial. Ao nascer, traz o homem consigo o que
adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida.
Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal.
Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é
nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se
haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções
que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e
dando-lhe forças para resistir às tentações.
Eis
a soterologia espírita, que enaltece Deus em sua justiça e amor, que dignifica
o homem enquanto ser dotado de livre-arbítrio e responsabilidade, e que nos dá
a esperança de sempre continuarmos no caminho do bem, para que possamos, no
menor espaço de tempo possível, estarmos face a face com o nosso Pai Celeste.
A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA
ResponderExcluirVerão de 1943 – Um trem se aproxima do campo de concentração de Auschwitz. Lotado. A carga? Seres humanos socialmente apartados por sua origem e formação religiosa. Amontoados sofriam de sede, fome e doenças. Destino? Ignorado por todos. Alguém dissera que seria um local de trabalho e que, finalmente, seriam tratados com alguma dignidade. Outros, com uma sensação desagradável, esperavam o pior: a morte. Ao chegar, soldados do nacional socialismo os receberam. O tratamento foi ríspido. Cães obrigavam a todos a permanecer próximos aos vagões de carga.
Começa o processo de seleção. Velhos, doentes e crianças foram separados e colocados em fila. Diziam os soldados do nacional socialismo que seria necessário que passassem por um banho onde seriam tratados contra infestação de piolhos e outras moléstias.
Ficaram nus. Um constrangimento a mais num ambiente cercado de ódio, rudeza e maus tratos.
Entraram na sala. Amontoados. Sentiram um cheiro de gás. Era o Zyklon B que começava a espalhar-se pelo ambiente. Gritos. Muitos gritos. Gritos de socorro. Um a um, foram rapidamente se calando deixando-se levar pelo efeito do gás.
Seriam os nossos jovens, os soldados do nacional socialismo?
Todos morrem.
Semelhanças com a tragédia de Santa Maria? - Muitas.
Verdadeiro?
- Não sei... Melhor que não seja.
Pedro,
ExcluirSugiro a leitura da postagem "O Consolador e o Insensível".
Um abraço - Jefferson