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A
quarta hipótese
Por Douglas
Vem do famoso escritor,
filósofo e literato C.S Lewis a máxima cristã de que somente três hipóteses
explicariam Jesus ao mundo:
A)
Jesus era um mentiroso;
B)
Jesus era um louco megalomaníaco;
C)
Jesus era Deus.
Curioso e precioso este
jeito de raciocinar. O bom irlandês, um dos mais famosos convertidos ao
Cristianismo do século XX, julgou sintetizar nessas três premissas todas as
possibilidades interpretativas que rondavam a figura de Jesus de Nazaré,
conclamando seus ouvintes e leitores a um compromisso de razoabilidade.
C.S. Lewis
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Senão, vejamos: poderia
um mentiroso, um impostor, um embusteiro ter colocado na mente e no coração de
seus discípulos, muitos deles não o tendo conhecido pessoalmente, alguns deles homens
letrados e versáteis de seu tempo, a força para enfrentar as duras perseguições
que eles teriam de lidar por esposar suas peculiares crenças, dando
voluntariamente sua vida para defender a fé nesse mesmo Mestre da Galiléia? É
de bom senso que não, afinal, todas as tentativas nesse sentido por pessoas com
esse perfil enganador cedo ou tarde eram desmascaradas, ainda que pela força da
História pesquisada. E mesmo essa reconhece em Jesus o quesito seriedade e
compromisso com sua própria fé propagada.
Que dizer então da
hipótese megalomaníaca? Esse jovem hebreu acreditava ser ele mesmo um com seu
Pai Celestial, portanto, ele mesmo Deus, mas no fim não passava de um rapaz
exaltado – mas de bom coração - que acabou crendo em suas próprias imagens
mentais distorcidas. É essa, de certo modo, a posição do pesquisador francês do
final do século XIX, Ernest Renan em seu livro “A vida de Jesus”: um bom homem
com algumas boas idéias no lugar errado e com a disposição psicológica errada.
Ora, o Cristianismo tradicionalmente irá afirmar, não sem um sorriso de misericórdia,
que o raciocínio do parágrafo acima desabona isso. Se ele era louco, era de uma
loucura mais sábia do que a dos homens, uma santa loucura que, ao inspirá-los,
mostrava muito mais sua marca divina do que mórbida. Uma loucura dotada de uma
moral irreprochável e já apresentada por grandes filósofos gregos, tais como
Sócrates, Platão e Aristóteles. Contudo, uma moral que, muito mais do que
psicologicamente refinada, ia ao âmago dos sofrimentos humanos para lhe
apresentar um bálsamo que dificilmente os filósofos de antanho conseguiriam
igualar. Logo, a hipótese não se sustenta.
Só restaria então uma
alternativa: Jesus de Nazaré é aquilo que ele alegadamente afirmou o ser: Deus,
filho de Deus, o Pai e ele mesmo um só com seu Pai Celestial. Pois apenas Deus
encarnado conseguiria personificar a síntese excelente de qualidades que Jesus
o fez. Vencido por essa razoabilidade rigorosa e tão simples, Lewis se quedaria
emocionado ao estudo e meditação do Evangelho desse mesmo Jesus, se tornando um
dos mais respeitáveis divulgadores do mesmo em um continente arrasado por duas
Guerras Mundiais e por um ambiente acadêmico de profundo ceticismo para com
estas questões.
Imaginam nossos irmãos
católicos e protestantes que a questão aí estaria encerrada. Supõem que a inexpugnabilidade
do argumento de Lewis, constantemente ressuscitada por pregadores de diferente
jaez, seja ela mesmo inatacável e ponto final. Contudo, não se pode concordar
com essa visão posto que ela mesma traz os limites interpretativos que mostram
por quê não se pode endossá-la. Vejamos como:
Usualmente o que não se
consegue perceber é que por traz desse raciocínio circular se esconde uma
premissa básica: Podemos saber com segurança o que Jesus pensava e dizia,
pesquisando o confiável exemplar dos Evangelhos em nossas Bíblias. Ali estão as
palavras de Jesus, fielmente passadas para todos por uma ininterrupta cadeia de
copistas e tradutores que, com mínimas e insignificantes diferenças, irão permitir
que todos os que queiram, no século XXI, saber o que esse Jesus dizia assim o
façam.
E ali nesses
Evangelhos, especialmente no Evangelho segundo João, há uma série de afirmações
de Jesus que corroboram ser ele Deus, filho de Deus Pai, um só com Deus, Filho
Primogênito e Unigênito, isto é, o Primeiro e o Único.
Sendo assim, certos de
que essas coisas tenham sido ditas por Ele, basta que nos posicionemos quanto a
uma das três hipóteses de Lewis e então teremos um resultado seguro: a
confirmação da divindade do Rabi da Galiléia. Mas, será mesmo?
Daí é que vem nossa
quarta e fundamental hipótese: Jesus nunca disse que era Deus. Isso é um choque
para muitos, uma vez que, acostumados com uma atmosfera cultural onde a
divindade de Jesus sempre era repetida e reafirmada como fato dado e
inquestionável, a afirmação contrária parece então uma tolice ingênua.
Ousamos portanto
repetir: Jesus nunca disse que era Deus. E mais ainda: A Bíblia, livro que
merece todo o nosso carinho, respeito, consideração e pesquisa, não é um livro
infalível, um guia absoluto sem erros sobre as palavras, os ensinos e os
pensamentos de Jesus. Não, não o é.
Vamos então colocar
nosso pensamento de outra maneira: uma vez que o respeitável livro conhecido
como Bíblia Sagrada não é um guia sem erros do que Jesus disse e foi, colocando
na boca de Jesus coisas que ele não afirmou, pode-se concluir que não, ele
jamais afirmou ser Deus.
Mas alguém poderia com
muita justeza perguntar: Que provas se têm disso? Falar é fácil. Prove!
Pois muito bem, quem
apresenta essas provas não somos nós, mas um conjunto muito grande de
pesquisadores de História do Cristianismo Primitivo, de sociólogos,
antropólogos e mesmo teólogos que, se desdobrando sobre os mais antigos
manuscritos disponíveis do Novo Testamento, comparando informações
lingüísticas, de época, de geografia, de costumes, de dados informativos
arqueológicos e literários, de doutrinas teológicas presentes na época, nos
mostram, com um grau muito grande de precisão, o que não se pode afirmar sobre
a época e, em contrapartida, o que se pode afirmar.
Um pequeno artigo
informativo como esse não pode apresentar esses detalhes todos, mas pode
indicar onde procurar. Autores como John Dominic Crossan, Geza Vermes, Bart
Ehrmann, Elaine Pagels e Karen Armstrong, com livros disponíveis em português,
são um excelente começo. Ali estão apresentações sistematizadas que evidenciam
largamente nosso ponto de vista. Nosso estímulo é: leia-os e estude-os. E isso
é apenas um começo.
Todavia, podemos elencar aqui algumas das
conclusões de um gigantesco número de estudiosos representados pelos autores
acima. São elas:
A)
Os Evangelhos foram escritos muito tempo
depois de Jesus ter sido morto, datando o mais antigo deles, o Evangelho
segundo Marcos, de aproximadamente 50 anos da morte do Rabi da Galiléia. Os
Evangelhos segundo Mateus e Lucas cerca de 70 anos e o Evangelho segundo João,
quase cem anos após o decesso do Mestre;
B)
Nos chamados Evangelhos Sinóticos –
Mateus, Marcos e Lucas - não há referências específicas sobre a Deidade de
Jesus, ainda que neles ele seja apresentado como um ser humano que efetivamente
demonstrava uma relação de intimidade com o Pai, Deus, considerado como Pai de
todos nós e não especificamente dele, Jesus;
C)
O Evangelho segundo João, provavelmente
escrito por um judeu convertido ao Cristianismo oriundo de Alexandria, uma das
principais capitais intelectuais do Império Romano naqueles dias, reflete uma
teologia cristã que não era unanimemente aceita por todos os cristãos deste
período, atribuindo a Jesus falas e diálogos elaborados que muito mais refletem
a crença do autor do texto do que de fato o que Jesus pregou, máxime no que
concerne a sua própria pessoa;
D)
É historicamente possível traçar as
sucessivas visões que se tinham de Jesus, desde os primeiros anos do
Cristianismo nascente até a declaração final de sua co-Divindade com Yahweh, o
Pai, no concílio de Nicéia em 325 da Era Comum, mostrando um espectro de
entendimentos sobre a figura do Rabi da Galiléia que vai desde um ser humano
comum que é escolhido como profeta e messias – ungido salvador dos hebreus e eventualmente
de toda a humanidade – passando por um ser de Luz oriundo de uma elaborada
hierarquia celestial, até se chegar à idéia de Deidade Absoluta que se
tornaria, com o passar dos séculos e muitas disputas, a idéia vencedora no seio
da cristandade;
E)
Os posteriores acréscimos teológicos que
remeteriam à Deidade de Jesus foram sendo paulatinamente incorporados aos
textos evangélicos ou mesmo desenvolvidos neles – como é o caso do Evangelho
segundo João - na medida em que os cristãos confrontavam suas crenças com as de
outras religiões e com filosofias que muito empolgavam as mentes intelectuais
do primeiro e segundo século da Era Comum. Sendo assim, tópicos como a
ressurreição em carne e sangue, a virgindade de Maria quando concebe Jesus, a
morte sacrificial e ressurreição de um deus – ou de Deus – bem como outros
ensinos e os correspondentes ritos cristãos oriundos disso eram uma elaboração
responsiva à mitologia dos povos e grupos a quem se pregava o Evangelho – boa
notícia em grego – profundamente tocados por ensinos dos Mistérios Dionisíacos,
Dos Mistérios de Isis, dos Mistérios Mitraicos, da Gnose e da associação interpretativa
genial dos textos sagrados hebraico-aramaicos com os de filosofia feitos por um
contemporâneo judeu de Jesus, Fílon de Alexandria.
Sendo
assim, podemos reafirmar a Quarta Hipótese: Jesus de Nazaré jamais declarou sua
divindade, ao contrário, essa lhe foi atribuída por seus seguidores,
especialmente os discípulos intelectuais greco-romanos, sobretudo muito tempo
depois de sua morte, quando a disposição intelectual cosmopolita afeita à
cultura do Império Romano desmontava mitos variados e os reunia em uma síntese
cada vez mais elaborada e expansiva. Coube à figura idealizada de Jesus ser o
ponto nodal desse esforço, por parte de seus discípulos tardios.
O
bom cristão que ler essas linhas, lhes dando algum crédito, poderá perguntar
então: sendo assim o que sobra? Quem de fato foi Jesus?
Ora,
este é um blog espírita e deste modo é natural que a resposta dada seja
obviamente oriunda da doutrina espírita.
Nós
espíritas não temos o menor receio de endossar as conclusões historiográficas
sobre Jesus de Nazaré uma vez que, de nossa perspectiva, quando as Ciências e
as disciplinas acadêmicas se pronunciam sobre seus precípuos objetos de estudo,
elas são a autoridade a ser respeitadas e não uma revelação religiosa, por mais
respeitável que o seja.
E
o que as pesquisas acadêmicas mais recentes nos falam a respeito do Rabi da
Galiléia é de um ser humano extraordinário, mas ainda assim um ser humano, um
ser humano pleno, integral, congruente com sua percepção da humanidade, de seu
povo, do ambiente sócio-cultural-político em que vivia e com as reais
necessidades espirituais das pessoas, necessidades essas perfeitamente
sintetizadas por Jesus na realidade insofismável, do seu ponto de vista
espiritual, de que há um Criador a quem podemos e devemos chamar de Pai,
independente de raça, religião, status político ou econômico. Um Pai com quem
podemos e devemos nos relacionar e que pede de nós tão somente e principalmente
que consideremos o próximo – todo e qualquer ser humano – como irmãos e irmãs,
literalmente falando, porque Ele, o Pai, é Pai de todos e somos todos uma
imensa família. E que quando nos tratamos sistemática e persistentemente como
família, o Reino desse Pai, Reino de paz, de justiça, de perdão e de
felicidade, se torna uma realidade concreta em nossas vidas, um grande banquete
onde todos celebramos a Paternidade divina e a irmandade de todos para com
todos.
Mas
a Doutrina Espírita vai além do que se pode concluir com base nas pesquisas dos
sábios em suas cátedras. Soma a elas a afirmação de que Jesus de Nazaré foi e é
um espírito imortal, como eu e você, que evoluiu em incontáveis vidas
reencarnando e desencarnando até chegar a um estado de ser que, por falta de um
vocabulário mais específico, chamamos de puro e perfeito. E que veio até nós
como ser humano integral reencarnando há cerca de 2.000 anos para reforçar para
nós, seus irmãos menores, pequeninos e ainda vacilantes, as excelências morais
de se trilhar o caminho do Bem, do Belo e do Verdadeiro, que é o caminho do
Amor-Caridade.
Esta
visão nos é apresentada em nossa Doutrina em dois momentos muito
significativos, mas não exclusivos: em o Livro dos Espíritos, pergunta número 625
e sua resposta com comentário de seu organizador, e no Livro A Gênese, capítulo
XV, escrito pelo codificador do Espiritismo contemporâneo, nosso irmão Allan
Kardec. Nosso convite a você, que nos lê, é esse: Leia e medite na questão
acima indicada do Livro dos Espíritos, com sua respectiva resposta e, em
seguida, leia as explicações que o Espiritismo nos fornece sobre a figura de
Jesus no interessantíssimo livro de Kardec, A Gênese. Se seu coração estiver
aberto a novas possibilidades, é nosso entendimento sincero de que você não irá
se arrepender e um novo e maravilhoso horizonte interpretativo se abrirá em sua
mente, empolgando-lhe com uma história de 2.000 anos que lhe parecerá
paradoxalmente antiga e atualíssima.
Imagem 1 - Fonte: http://smarana.files.wordpress.com/2010/09/duvida.jpg
Imagem 2 - Fonte: http://www.nndb.com/people/238/000044106/cs-lewis-sized.jpg
Excelente texto, Douglas. Encantada com seu estilo. Obrigada por dividir tanto conhecimento, fruto de horas exaustivas e sei que prazerosas, também, de estudo. Espero vê-lo sempre neste blog.
ResponderExcluirExcelente artigo... Gostaria porém de fazer um pequeno apontamento: Não sei qual a proposta didática do curso, mas percebi no texto do Douglas, que de uma forma ímpar, ele publica as informação mais atuais das pesquisas históricas sobre Jesus e os Evangelhos sem perder o "link" com o que diz as revelações espíritas. Considerando a ciência espírita bem compreendida e seguindo os roteiros deixados pelo mestre codificador, esse método não poderia ser usado também em sala de aula? Não se furtando ao comentário sobre o que revela os Espíritos (e não o Espírito) sobre os assuntos?
ResponderExcluirEstimado João,
ResponderExcluirEu sempre achei que fazíamos isso automaticamente. Pelo visto, minha percepção está equivocada, he he he. vamos tentar melhorar isso, ok? Obrigado pela sugestão e abraço.
D.'.
Amigo Jefferson, sua didática e a do Douglas são ótimas :). Eu aprecio demais suas aulas e sua coerência! Mas confesso que no início do ano passado eu me senti um pouco sem chão quando vieram tantas verdades de impacto. Eu fiz esse comentário somente porque fiquei preocupado com os companheiros que desistiram do curso. Eu lembro que tive tantas incertezas que precisei revisar um monte de coisa. Talvez esse ano eu aproveite melhor os assuntos, já que estou "escaldado". Bem, se causar isso era a intensão de vocês então está ótimo.
ExcluirGrande abraço.
Amigo João, na verdade a resposta foi do Douglas. Contamos com você para nos auxiliar com essa próxima edição do curso, participando ativamente das aulas. Um abraço - Jefferson
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