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JESUS HISTÓRICO - UM ESTUDO RELATIVO
Por JeffersonRecebemos e-mail do nosso amigo e aluno do Curso Cristianismo e Espiritismo, Adolfo Simon, com a seguinte indagação aqui transcrita:
Caros Douglas e Jefferson.
Desculpem-me por fugir do texto primoroso sobre mitos, mas não sei exatamente onde "conversar" com voces sobre o tema Jesus Histórico, que é realmente muito interessante e o tempo da aula acaba ficando exíguo para satisfazer a ânsia dos alunos em perguntar ou comentar o que foi apreendido a partir dos textos e da aula. Nesse sentido, estou fazendo este post, na esperança de que um de vocês tenha tempo para comentar e corrigir eventuais distorções da minha compreensão a respeito do assunto.
Entendi, a partir do texto do Roberto Pompeu de Toledo, na Veja de 1992, das suas respostas às perguntas que estavam no blog e da entrevista com o professor Gabriele Cornelli, que talvez nunca possamos remontar de maneira completa o “Jesus real” e que o Jesus que emerge das pesquisas históricas – o “Jesus histórico”, a partir da análise não contaminada pelo sectarismo religioso dos evangelhos canônicos, dos manuscritos do Mar Morto e de outras pesquisas arqueológicas, ambientando adequadamente a sua figura à época, local e circunstâncias em que Ele viveu, esclarece muito melhor o que Jesus não pode ter sido, desmontando um pouco do imaginário de cada um, mas também com discordâncias entre os historiadores, demonstrando que as conclusões que conduzem à hipótese de quem era Jesus – o Jesus Histórico, se apoiam ainda muito em achados fragmentados, que levam a inferências em sequência e, como consequência inevitável, conclusões diferentes nos detalhes, como é o caso da educação e das condições socioeconômicas da família de José, do tempo de pregação, do convívio ou não com determinada seita e outros que a minha ignorância não permitiu captar.
Não faz sentido, no momento, comentar a respeito da transformação de Jesus em Cristo e Deus (a terceira das “personalidades de Jesus”, fora o Jesus individual), mas seu exemplo e seu Evangelho, a “Boa Notícia” que nos deixou, moldou o pensamento ocidental a partir dessa transformação, apesar das deformações que a institucionalização causou, a partir do século IV DC. Estou errado nesta conclusão?
O problema que surge é de credibilidade. Será que tudo o que foi comentado dos Evangelhos, com suas falhas históricas, sua autoria contestável e a época real de suas redações comprometem o conteúdo como um todo? Acredito (opinião pessoal) que se separarmos adequadamente o anúncio da figura de Jesus Cristo – a publicidade que permitiu sua penetração no mundo romano, dos ensinamentos morais e do estabelecimento definitivo do conceito de vida no mundo espiritual, o problema se resolve.
Não foi mais ou menos isso que Kardec fez, ao elaborar o Evangelho Segundo o Espiritismo?
Um abraço,
Adolfo Simon
Adolfo Simon
Com a sua autorização, reproduzimos aqui a nossa resposta.
Oi Adolfo, feliz Páscoa para você e os seus!
Obrigado pela postagem e vou tentar responder dentro daquilo que estudei.
A
pesquisa sobre Jesus histórico é uma pesquisa em andamento. Ainda não
está concluída. Assim, temos muitas coisas ainda a serem resolvidas,
principalmente quanto a detalhes, pois as linhas gerais estão
pacificadas.
O ícone da "terceira busca" - John Dominic Crossan - afirma algo que deve ser motivo de reflexão para nós:
“É impossível evitar a
desconfiança de que a pesquisa do Jesus histórico é um campo em que se pode
fazer teologia e chamá-la de história, ou então fazer autobiografia e chamá-la
de biografia, sem correr grandes riscos.” (CROSSAN, 1994, p. 27).
Feita esta observação, sigamos.
Existem
discordâncias entre pesquisadores sobre o objeto de estudo em questão,
mas isso ocorre em relação a vários outros personagens históricos,
inclusive personagens muito bem documentados e mais recentes, como
Napoleão Bonaparte, Hitler e Getúlio Vargas.
No
caso de uma figura central de uma das maiores religiões do planeta, com
recursos parcos de documentação, não há como afastar o caráter
ideológico, consciente ou inconsciente, dessas pesquisas. Ninguém será
isento em área nenhuma do conhecimento, muito menos quando o assunto é
Jesus Cristo. Um historiador ateu, outro cristão, outro espírita, outro
judeu, etc., terão visões de Jesus mais ou menos contaminadas por suas
crenças. São seres humanos e a sua ciência será fruto de sua humanidade.
Mesmo
assim, com todos os avanços metodológicos e técnicos, o cerco em torno
de um conhecimento ideológico tem se fechado cada vez mais. Cada tese,
cada artigo é muito avaliado e discutido entre pares do meio acadêmico.
As reputações de teóricos estão cada vez mais estão em xeque. As
discordâncias ficaram menos marcantes e se atêm cada vez mais aos
detalhes nem sempre relevantes.
Portanto,
existem hipóteses muito robustas nas linhas gerais, como Jesus ter
nascido em Nazaré, ser de família campesina pobre, de ter vivido em um
mundo de mentalidade apocalíptica, etc. Casado ou solteiro, letrado ou
analfabeto, mono ou poliglota, isso são detalhes que não tem a
importância de afastá-lo do mundo conturbado e profundamente religioso
em que vivia.
Portanto,
muito temos a compreender Jesus de Nazaré através dos estudos de Jesus
histórico. Para nós espíritas, o desafio é grande, pois temos médiuns e
mentores - a quem reverenciamos - que estão com muitas de suas
informações refutadas por esses estudos. Um espírito pode contradizer um
pesquisador, sem problemas. Agora, e quando o espírito é desacreditado
por um achado arqueológico? Também nisso os estudos sobre Jesus
histórico nos prestam um grande favor, pois a nossa premissa é de que a
verdadeira fé é aquela que pode enfrentar a razão em todas as épocas .
Quando
à credibilidade dos evangelhos, vale à pena ler a referência que faço
no texto enviado ontem (Aula 06- Jesus, o início) sobre a "New Quest"
com Käsemann, que reproduzo abaixo:
"Sem dúvida, os textos canônicos do Segundo Testamento
são querigmáticos, mas não se pode simplesmente negar a existência de um teor
histórico nas narrativas, e sim mudar abordagem metodológica. Para Käsemann, a
fé pascal faz parte de uma tradição querigmática que também inclui aspectos do
Jesus encarnado." (p. 5)
Em outras palavras, temos uma tela branca de fatos históricos pintadas pelas cores fortes do anúncio (kerigma)
de Cristo ressuscitado. As cores estão sobre uma tela real, a busca por
Jesus histórico é ver a tela apesar da pintura vibrante.
A
parte moral dos evangelhos é muito importante, mas não devemos
subestimar o poder da verdade histórica, ainda que envolta em discussões
infindáveis. Lembremos que o antissemitismo e tudo que ele resultou, o
ódio aos homossexuais, a categorização inferior da mulher, etc., foi
resultado da falta da crítica histórica dos textos canônicos.
Assim,
o aspecto moral continua irresistível e tem atrevessado os séculos, mas
o bisturi do método crítico-histórico se faz necessário para
estirparmos os tumores que justificam as injustiças em nome de Cristo.
Espero ter contribuído.
Amigo Douglas, caso queira complementar ou divergir em algo, fique à vontade.
Um abraço - Jefferson
Como o assunto é de interesse de todos que frequentam o curso, pedimos a autorização do Adolfo para publicar os seus comentários e a resposta respectiva.
CROSSAN, John
Dominic. O Jesus histórico: a vida
de um camponês judeu do Mediterrâneo. Tradução de André Cardoso. Rio de Janeiro
: Imago E., 1994.
Só para "bagunçar" mais um pouco, gostaria de perguntar se há alguma prova material da existência de Jesus. Obrigado!
ResponderExcluirBoa pergunta!
ExcluirRespondendo diretamente: não, não existe nenhum artefato ou achado arqueológico que possa dar testemunho direto de Jesus de Nazaré.
Também não existe nada disso quando se estuda Moisés, Sócrates ou Buda, por exemplo. Somente nos últimos 20 anos acharam inscrições sobre o rei Davi, Caifás e o prefeito Pôncio Pilatos. Até então, eles só existiam na literatura. O fato de não existir um artefato não significa que o personagem histórico é ficão.
Pesando a tradição, as análises textuais (canõnicos e extracanônicos), os achados arqueológicos é possível afirmar que Jesus de Nazaré existiu na Palestina do século I de nossa era.
Abraços - Jefferson